sábado, 16 de junho de 2012

10 factos chocantes sobre os EUA





Estados Unidos - Diário Liberdade - [António Santos] Maior população prisional do mundo, pobreza infantil acima dos 22%, nenhum subsídio de maternidade, graves carências no acesso à saúde... bem-vindos ao "paraíso americano".

Artigo muito elucidativo de António Santos, colaborador do Diário Liberdade nos Estados Unidos.

10 Factos Chocantes Sobre os EUA
  1. Os Estados Unidos têm a maior população prisional do mundo, compondo menos de 5% da humanidade e mais de 25% da humanidade presa. Em cada 100 americanos 1 está preso1.
A subir em flecha desde os os anos 80, a surreal taxa de encarceramento dos EUA é um negócio e um instrumento de controlo social: À medida que o negócio das prisões privadas alastra como gangrena, uma nova categoria de milionários consolida o seu poder político. Os donos destes cárceres são também na prática donos de escravos, que trabalham nas fábricas no interior prisão por salários inferiores a 50 cêntimos por hora. Este trabalho escravo é tão competitivo, que muitos municípios hoje sobrevivem financeiramente graças às suas próprias prisões camarárias, aprovando simultaneamente leis que vulgarizam sentenças de até 15 anos de prisão por crimes menores como roubar pastilha elástica. O alvo destas leis draconianas são os mais pobres mas sobretudo os negros, que representando apenas 13% da população americana, compõem 40% da população prisional do país.
  1. 22% das crianças americanas vive abaixo do limiar da pobreza2.
Calcula-se que cerca de 16 milhões de crianças americanas vivam sem “segurança alimentar”, ou seja, em famílias sem capacidade económica de satisfazer os requisitos nutricionais mínimos de uma dieta saudável. As estatísticas provam que estas crianças têm piores resultados escolares, aceitam piores empregos, não vão à universidade e têm uma maior probabilidade de, quando adultos, serem presos.
  1. Entre 1890 e 2012 os EUA invadiram ou bombardearam 149 países3.
São mais os países do mundo em que os EUA intervieram militarmente do que aqueles em que ainda não o fizeram. Números conservadores apontam para mais de 8 milhões de mortes causadas pelos EUA só no século XX. E por detrás desta lista escondem-se centenas de outras operações secretas, golpes de Estado e patrocínio de ditadores e grupos terroristas. Segundo Obama, recipiente do Nobel da Paz, os EUA têm neste momento a decorrer mais de 70 operações militares secretas em vários países do mundo. O mesmo presidente, criou o maior orçamento militar norte-americano desde a Segunda Guerra Mundial, batendo de longe George W. Bush.
  1. Os EUA são o único país da OCDE que não oferece qualquer tipo de subsídio de maternidade4.
Embora estes números variem de acordo com o Estado e dependam dos contratos redigidos pela empresa, é prática corrente que as mulheres americanas não tenham direito a nenhum dia pago antes nem depois de dar à luz. Em muitos casos, não existe sequer a possibilidade de tirar baixa sem vencimento. Quase todos os países do mundo oferecem entre 12 e 50 semanas pagas em licença de maternidade. Neste aspecto, os Estados Unidos fazem companhia à Papua Nova Guiné e à Suazilândia com 0 semanas.

  1. 125 americanos morrem todos os dias por não poderem pagar qualquer tipo de acesso à saúde5.
Se não tiver seguro de saúde (como 50 milhões de americanos não têm), então, tem boas razões para recear mais a ambulância e os cuidados de saúde que lhe vão prestar, que esse inocente ataquezinho cardíaco. Com as viagens de ambulância a custarem em média 500€, a estadia num hospital público mais de 200€ por noite, e a maioria das operações cirúrgicas situadas nas dezenas de milhar, é bom que possa pagar um seguro de saúde privado. Caso contrário, a América é a terra das oportunidades e como o nome indicam, terá a oportunidade de se endividar até às orelhas e também a oportunidade de ficar em casa, fazer figas e esperar não morrer desta.
  1. Os EUA foram fundados sobre o genocídio de 10 milhões de nativos. Só entre 1940 e 1980, 40% de todas as mulheres em reservas índias, foram esterilizadas contra sua vontade pelo governo americano6.
Esqueçam a história do Dia de Acção de Graças, com índios e colonos a partilhar placidamente o mesmo peru à volta da mesma mesa. A História dos Estados Unidos começa no programa de erradicação dos índios. Tendo em conta as restrições actuais à imigração ilegal, ninguém diria que os fundadores deste país foram eles mesmo imigrantes ilegais, que vieram sem o consentimento dos que já viviam na América. Durante dois séculos, os índios foram perseguidos e assassinados, despojados de tudo e empurrados para minúsculas reservas de terras inférteis, em lixeiras nucleares e sobre solos contaminados. Em pleno século XX, os EUA puseram em marcha um plano de esterilização forçada de mulheres índias, pedindo-lhes para colocar uma cruz num formulário escrito num língua que não compreendiam, ameaçando-as com o corte de subsídios caso não consentissem ou, simplesmente, recusando-lhes acesso a maternidades e hospitais. Mas que ninguém se espante, os EUA foram o primeiro país do mundo a levar a cabo esterilizações forçadas ao abrigo de um programa de eugenia, inicialmente contra pessoas portadoras de deficiência e mais tarde contra negros e índios.
  1. Todos os imigrantes são obrigados a jurar não ser comunistas para poder viver nos EUA7.
Para além de ter que jurar que não é um agente secreto nem um criminoso de guerra nazi, vão-lhe perguntar se é, ou alguma vez foi membro do “Partido Comunista”, se tem simpatias anarquista ou se defende intelectualmente alguma organização considerada “terrorista”. Se responder que sim a qualquer destas perguntas, ser-lhe-á automaticamente negado o direito de viver e trabalhar nos EUA por “prova de fraco carácter moral”.
  1. O preço médio de uma licenciatura numa universidade pública é 80 000 dólares8.
O ensino superior é uma autêntica mina de ouro para os banqueiros. Virtualmente todos os estudantes têm dívidas astronómicas, que acrescidas de juros, levarão em média 15 anos a pagar. Durante esse período os alunos tornam-se servos dos bancos e das suas dívidas, sendo muitas vezes forçados a contrair novos empréstimos para pagar os antigos e ainda assim sobreviver. O sistema de servidão completa-se com a liberdade dos bancos de vender e comprar as dívidas dos alunos a seu bel-prazer, sem o consentimento ou sequer a informação do devedor. Num dia deve-se dinheiro a um banco com uma taxa de juro e no dia seguinte, pode-se dever dinheiro a um banco diferente com nova e mais elevada taxa de juro. Entre 1999 e 2012, a dívida total dos estudantes americanos ascendeu a 1.5 triliões de dólares, subindo uns assustadores 500%.
  1. Os EUA são o país do mundo com mais armas: para cada 10 americanos, há 9 armas de fogo9.
Não é de espantar que os EUA levem o primeiro lugar na lista dos países com a maior colecção de armas. O que surpreende é a comparação com o resto do mundo: No resto do planeta, há 1 arma para cada 10 pessoas. Nos Estados Unidos, 9 para cada 10. Nos EUA podemos encontrar 5% de todas as pessoas do mundo e 30% de todas as armas, qualquer coisa como 275 milhões. E esta estatística tende a se extremar, já que os americanos compram mais de metade de todas as armas fabricadas no mundo.
  1. São mais os americanos que acreditam no Diabo que os que acreditam em Darwin.10
A maioria dos americanos são cépticos; pelo menos no que toca à teoria da evolução, em que apenas 40% dos norte-americanos acredita. Já a existência de Satanás e do inferno, soa perfeitamente plausível a mais de 60% dos americanos. Esta radicalidade religiosa explica as “conversas diárias” do ex-presidente Bush com Deus e mesmo os comentários do ex-candidato Rick Santorum, que acusou os académicos americanos de serem controlados por Satã.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A verdadeira batalha pelo Islã


Esqueça ideia de um mundo árabe dividido entre terroristas e pró-ocidentais. Disputa real opõe islâmicos reformistas a arquiconservadores e dogmáticos
Por Ahmed Daak e Harry Verhoeven, da Al-Jazeera
Das eleições no Egito pós-Mubarak [1] aos debates na Tunísia sobre liberdade de imprensa [2]: está em curso uma batalha pela alma política do mundo islâmico. Mas, diferente do que se previa nos dias da Guerra Global ao Terror [Global War on Terror (GWOT)], as visões em confronto não são o terrorismo jihadi e o secularismo à moda ocidental.
As novas realidades que emergem da Primavera Árabe mostram que o Islã ocupará posição chave no debate político, do Marrocos à Indonésia. Mas ainda não se vê com clareza se isso levará a maior coesão das sociedades ou aumentará as tensões no mundo islâmico e entre ele e atores externos. Para entender que feições terá o futuro, temos de analisar a luta que se trava no campo dos que creem: reformistas islamistas versus salafistas arquiconservadores.
Proliferam concepções erradas sobre a luta, resultado de condições sociopolíticas contemporâneas, mas que nada têm de novas: é a volta do confronto entre rivais ancestrais, com novos interesses em disputa. Debates sobre o papel adequado do Islã na política vêm despertando paixões desde o final do Califato Rashidun [3].
Enquanto os reformistas destacam o caráter dinâmico do Islã – os textos não podem jamais ser alterados, mas nossas interpretações mudam em função de novos desafios –, os salafistas partem de interpretação literalista do Corão e da Sunna do Profeta Maomé. Reforçam o conservadorismo tanto na esfera pessoal como no reino da política, o que produz posição muito ambivalente, para dizer o mínimo, em relação aos processos democráticos.
Ibn Taymiyyah, intelectual ativo no século 13, [4] e padrinho intelectual dos salafistas do século 21, rejeitou a participação popular nos processos de mudança política: “O que governa pode exigir obediência dos governados, porque até um governador injusto é melhor que a guerra e a dissolução da sociedade”. As disputas de hoje revisitam a antiga divisão entre os que creem na emancipação da sociedade mediante reformas sancionadas pelo Islã e os que questionam a inovação e o debate livre, seja na teologia seja na política.
Salafistas versus Islamistas

Apesar das muitas diferenças, há importantes semelhanças entre salafistas e islamistas. Não se trata de escolher entre ‘ocidentalização’ e ‘Islã tradicional’: nenhum desses campos existe nas categorias-caricatura da Guerra Global ao Terror. As duas fórmulas são produtos da modernidade [5], que pensa sobre política e sobre religião de modo profundamente moderno, e que responde à modernização com discursos, instituições e ideias que estão, todos, profundamente enraizados no imaginário do século 21.

O papel da religião na eleição egípcia

Apesar da retórica candente, não se trata de voltar à Arábia do século 7º. Ambos, salafistas e islamistas lamentam a perda de status nos séculos passados e propõem vias para um Renascimento do mundo islâmico. Ambos contestam a injustiça social, a corrupção do “Islã real” e a inabilidade dos muçulmanos para enfrentar os desafios que lhes chegam do ocidente. Ambos falam de um perdido passado de glórias e pregam que se reinvente o status-quo. Mas, enquanto os salafistas destacam a ordem, o ritual externo e a diferença religiosa dentro e fora do mundo islâmico, os islamistas destacam que a civilização islâmica sempre foi, historicamente, uma força progressista no mundo; que abraçou a inovação, a ciência e a racionalidade e engajou-se em livre debate dentro de um contexto islâmico que visa a integrar, não a dividir.

As questões nucleares em que salafistas e islamistas confrontam-se hoje são as questões da democracia liberal, da liberdade e da inclusão social. As respostas produzidas pela rivalidade entre eles – nas eleições no Egito; na guerra civil na Síria, onde já há três lados em guerra; dentro do Regime de Salvação do Sudão, etc. – estão determinando o futuro do mundo islâmico. Ambos, islamistas e salafistas, têm relacionamento difícil com eleições.
No tempo da descolonização, os dois grupos desejavam um renascimento político-espiritual, não apenas uma independência meramente formal.
Mas a ascensão do pan-arabismo e de governos socialistas – no Egito de Nasser, no Iraque de Saddam, na Líbia de Gaddafi – marginalizou todos os projetos de inspiração religiosa. Com esses regimes tornando-se cada vez mais autoritários, as opções de mudança de dentro para fora se reduziram drasticamente. Os salafistas firmaram um pacto faustiano: seguindo Ibn Taymiyyah, tornaram-se indiferentes aos desafios e provocações, e ganharam, a partir dos anos 1970s, a liberdade necessária para desenvolver suas próprias redes sociais, com apoio dos sauditas, para competir contra os islamistas. O levante salafista de 2012, incluindo a evidência de que o Partido Al-Nour[6] conquistou 25% dos assentos com direito a voto no Parlamento do Egito, é resultado direto[7] dessa decisão e de seus desenvolvimentos.
Mudando o centro político
Os islamistas têm mostrado relações mais amigáveis com a democracia eleitoral que os salafistas, mas houve experiências traumáticas, no passado, que levaram muitos a questionar as intenções da Fraternidade Muçulmana do Egito[8] e do Partido Ennahda da Tunísia. No Sudão e na Argélia, coalizões islamistas candidataram-se ao Parlamento, mas o processo levou a violência em larga escala. Em Cartun, os islamistas abandonaram o compromisso com a democracia, aliando-se aos militares para um golpe de estado em 1989 – aliança controvertida[9] que veio, depois, a dividir o Movimento Islâmico Sudanês, solapando suas promessas de modernização e de democratização. Em Argel, a Frente Islâmica de Salvação (FIS) alcançou maioria absoluta nas eleições parlamentares em 1991, mas recusaram-se a acomodar os interesses da poderosa classe militar da Argélia. Radicais dos dois lados enfrentaram-se numa guerra civil[10] que custou entre 150 mil e 200 mil vidas.
Os erros cometidos pelos islamistas da Argélia e Sudão chegaram ao ápice quando, já no quadro do poder absoluto, os teóricos da Guerra Global ao Terror conseguiram ignorar a divisão entre islamistas e salafistas: e os dois lados deixaram-se abordar pelo prisma da al-Qaeda e de uma radicalização possível, ao contrário do que se viu entre os “bons” secularistas. Mas a Primavera Árabe mudou o centro de gravidade político do confronto entre salafistas e islamistas e forçou os dois lados a um novo engajamento com a democracia.
Enquanto os salafistas começaram, relutantes, mas com sucesso, a participar de eleições, os islamistas abraçaram sua agenda islâmica original de liberdade, enfatizando as reformas econômicas, a governança participativa e a liberdade religiosa. Hoje, o momento é de grandes oportunidades no mundo islâmico, mas, também, de riscos extremos.
Apesar do ímpeto eleitoral crescente nos últimos anos, uma vitória dos salafistas nessa luta parece improvável, no longo prazo: a rígida teologia salafista oferece fraca orientação sobre como enfrentar o declínio econômico, a crise na educação[11] no mundo árabe e as massas jovens. Mesmo assim, os salafistas ainda ajudam a impedir que os islamistas alcancem vitória ampla. Os mais otimistas[12] argumentam que o envolvimento nas instituições políticas forçará os salafistas a construir soluções pragmáticas para as questões arroz-com-feijão. É pensamento de excessivo otimismo, que ainda pode ser eclipsado pela aliança entre os velhos establishments militares e os zelosos salafistas para torpedear o projeto de seus arqui-inimigos islamistas. Esse arranjo ameaça aprofundar a divisão entre sunitas e xiitas no Islã, pondo em risco a posição de minorias religiosas e levando a irrupções (nem sempre propriamente “espontâneas”) de violência contra “infiéis”, como se viu recentemente em ataques a igrejas no Iraque, Egito[13] e Sudão[14].
Leia também:

O renascimento islâmico
Escolher entre islamistas e salafistas não é escolher entre seis e meia dúzia. Muitos líderes islamistas amadureceram dramaticamente desde as experiências na Argélia e no Sudão e começaram a abandonar suas utopias revolucionárias, sem sacrificar os princípios. Embora muitos deles ainda se equivoquem muito sobre os direitos humanos “ocidentais”, o compromisso da grande maioria dos islamistas com o constitucionalismo, com dar maior destaque às mulheres muçulmanas na vida política e com promover maior harmonia no relacionamento com outras fés religiosas já não pode ser questionado. Vozes islamistas tornaram-se empenhadas e confiáveis defensoras desses princípios, mais, até, que muitos secularistas na Tunísia, na Argélia e no Egito, os quais, no passado, muitas vezes, empenharam-se mais em “dissolver a democracia para salvá-la”.
A comunidade internacional terá de aprender a conviver com um vibrante mundo islâmico religioso, com papel maior e mais visível para o Islã, na política do dia a dia: modernizar não significa ocidentalizar. Os que se preocupem com segurança internacional, liberdade de expressão e justiça social devem considerar bem-vindo o projeto trazido pelos islamistas, para derrotar o salafismo e as ditaduras. Há movimentos fortes, da Mauritânia à Malásia, por um renascimento social ético amplo, e por um renascimento islâmico que lance a civilização islâmica de volta à posição de destaque que lhe cabe, no cenário global.
Os que se interessem por ver, para além das discussões sobretudo simbólicas sobre turistas de biquinis e consumo de bebidas alcoólicas, um islamismo modernizante, como o de Tayyep Recip Erdogan na Turquia, não é fuga reacionária da realidade, mas grito sincero pela reestruturação progressista, a partir de direitos, no plano social doméstico e global. É também um modo de resistir contra uma forma de globalização que, para muitos, não realizou o projeto da modernidade – de plena mobilidade social e cada vez mais amplas liberdades individuais – e que, na prática, continua a aprofundar as injustiças e a gerar desorientação psicossocial.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

84º aniversário do nascimento de Che Guevara


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Clube de história - No dia 14 de Junho de 1928 nascia em Rosário, Argentina, aquele que foi considerado pela revista norte-americanaTime Magazine como uma das cem personalidades mais importantes do século XX – Ernesto Guevara de la Cerna, mais conhecido por Che Guevara ou El Che, devido ao seu constante uso do vocativo gaúcho “che”. Oriundo de uma família da classe média-alta “anti-peronista”, detentora de uma biblioteca com cerca de três mil volumes, começou desde cedo a desenvolver, em casa, o gosto pela leitura, incluindo obras de Julio Verne, Alexandre Dumas, Baudelaire, Neruda e Freud, mas também de Marx, Engels e Lenine que iriam moldar a sua personalidade e as suas convicções político-ideológicas.



De saúde débil, propenso a ataques de asma que o atormentariam durante o resto da sua vida, em 1932, com apenas 4 anos, Che Guevara mudou-se com a família, a conselho dos médicos, para Altagracía, uma localidade da região de Córdoba, onde iniciou e terminou os estudos liceais, e mais tarde para Buenos Aires, ingressando em 1946 na Universidade, no curso de Medicina que viria a terminar no ano de 1951. Entretanto, através de viagens empreendidas a outros países da América latina no exercício de uma das suas profissões temporárias de repórter fotográfico ou por iniciativa própria, o jovem médico foi reforçando as suas convicções ideológicas revolucionárias à medida que se ia inteirando das situações de miséria e sofrimento em que o continente se via mergulhado, sobretudo a Guatemala, onde em 1954, Guevara assistiu à luta e ao triunfo de Guzmán, eleito presidente desse Estado à frente de um partido de cariz popular. Definindo-se, a partir daí, como um sério opositor ao imperialismo norte-americano, no ano seguinte estava no México, onde conheceu os irmãos Castro, Raúl e Fidel, e veio a participar em todo o processo revolucionário cubano durante o qual logrou granjear a maior quota-parte da fama que o imortalizou em toda a sua épica Cruzada contra a opressão e a favor da liberdade dos povos. Após o triunfo da revolução cubana, e garantida a sua estabilidade após novo triunfo contra o imperialismo dos EUA e os anti-castristas na Baía dos Porcos, sentiu o revolucionário errante o chamamento de novas missões pelo que, em 1965, com a anuência de Fidel, partiu para o Congo com um destacamento de cem”internacionalistas” cubanos, onde, por razões que são imputadas à sua própria imprudência pela falta do necessário reconhecimento prévio da realidade cultural e sociológica africana, conheceu a sua primeira grande decepção.
Em seguida parte para as montanhas da Bolívia, onde julga, a partir daí, poder estabelecer uma base de guerrilha unificada dos países da América Latina com vista à invasão da Argentina. Aí conhece nova desilusão, não consegue o esperado apoio do Partido Comunista boliviano nem a simpatia da escassa população rural e, em estado de extremo desgaste físico e moral, é capturado no dia 8 de Outubro de 1967, conduzido à aldeia de La Higuera e, aí, ingloriamente abatido, no dia seguinte, por um simples soldado boliviano.
Os seus restos mortais, descobertos, em 1997, numa vala comum na cidade de Vallegrande, que fica a cerca de 50 Km de La Higuera, foram trasladados para Cuba e enterrados com honras de chefe de Estado, na presença de membros da família e de Fidel Castro. Também em Cuba foi erigido um monumento em sua homenagem, com base na célebre foto de Alberto Korda, d’o Gerillero Heroico.


Balderrama - Mercedes Sosa


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Uma greve pelo ensino público e gratuito de qualidade


A greve dos docentes federais necessita de ampla solidariedade e apoio.

Editorial da edição 485 do Brasil de Fato

O programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão da Universidade Federal (Reuni) expressa a contradição das atuais políticas públicas. O governo federal investiu R$ 8,4 bilhões na expansão e reestruturação das universidades federais desde 2003. Dessa data até 2011, as vagas anuais de ingresso na graduação mais que dobraram nas federais, passando de cerca de 110 mil, em 2003, para mais de 230 mil em 2011. O aumento das vagas de ingresso impactou no número total de matrículas em instituições federais, passando de 638 mil para mais de 1 milhão (2003-2011). Através do Reuni, foram criados 2.046 novos cursos. Além de possibilitar a contratação de professores, ampliou o ingresso da juventude, especialmente da classe trabalhadora no ensino público.
Mantido o Reuni, a previsão é que até 2014 o Brasil tenha um total de 63 universidades federais, com 321 unidades distribuídas em 272 municípios que nunca tiveram acesso ao ensino superior público.
Após 13 anos tramitando no Congresso Nacional, foi aprovado, dia 6 de junho de 2012, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), o projeto de lei da Câmara – PLC nº 180/08 – que reserva no mínimo 50% das vagas das universidades públicas e escolas técnicas federais para alunos do ensino médio oriundos de escola pública.
O projeto prevê que no universo das vagas disponíveis nas universidades e escolas técnicas públicas federais, 50% das vagas devem ser preenchidas por estudantes oriundos de escola pública, que tenham cursado integralmente o ensino médio nessas instituições. Os outros 50% são de livre concorrência.
Dentro dos cotistas haverá dois outros recortes: um deles será o ajuste de cor e raça, conforme os critérios estabelecidos pelo último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) da localidade/região que se encontra a universidade ou escola técnica. Outro recorte será o social: das vagas disponibilizadas aos cotistas de escolas públicas, 25% delas são destinadas a pessoas com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. Os outros 25% serão destinados aos cotistas com qualquer renda.
Porém, todo esse avanço e investimento, fundamental quando comparado com o desprezo e desmonte que o ensino público enfrentou no governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso é ainda insuficiente e incompleto, principalmente por não destinar recursos condizentes que valorizem os salários e as condições de trabalho dos docentes federais. Para garantir que o ensino público seja de qualidade e referenciado nas demandas da sociedade, é necessário que a política educacional do governo esteja voltada para a valorização dos trabalhadores da educação, com a implementação de um plano de carreira e condições de trabalho dignas.
A greve deflagrada pelos docentes federais, que cresce e ganha apoio em todo o país, é parte decisiva da luta pelo ensino público e gratuito de qualidade. A greve que já atinge 51 instituições federais de ensino deve arregimentar novos servidores com a adesão dos trabalhadores técnico-administrativos em educação nas universidades federais e os funcionários federais do setor de geografia e estatística. Nos próximos dias, os servidores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União prometem cruzar os braços. Na mesma data, os servidores federais da educação básica, profissional e tecnológica também devem paralisar os trabalhos.
UERJ em greve junto com as Federais
Além das questões salariais e da cobrança por reestruturação das carreiras antes da realização de novos concursos públicos, os servidores federais também protestam contra a Medida Provisória nº 568/12, em tramitação no Congresso Nacional. A norma muda o cálculo dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, além de alterar a carga horária de médicos e outras categorias que possuem jornada estabelecida em lei. A medida atinge diretamente os 48 mil médicos vinculados ao serviço público federal que, diante da possibilidade de redução significativa de seus ganhos, podem abrir mão de suas funções, gerando lacunas nas equipes já reduzidas que atendem nos consultórios e hospitais e que se ocupam da formação dos estudantes e residentes.
Na Universidade Federal de Juiz de Fora, 40 coordenadores de curso foram exonerados de suas funções por aderirem à greve, num ato que se enquadra no crime contra a organização do trabalho e afronta a Constituição Federal. Uma situação inadmissível que não pode ser tolerada.
A greve dos docentes federais necessita de ampla solidariedade e apoio. Sem assegurar salários e condições de trabalho dignas aos servidores federais nenhum investimento na ampliação de vagas será suficiente.


terça-feira, 12 de junho de 2012

Síria, uma guerra de propagandas




A ingerência estrangeira em um conflito – ainda – interno da Síria apenas contribui para torná-lo ainda pior

Raphael Tsavkko Garcia
Escrevi ainda em janeiro um artigo para este Brasil de Fato sobre a situação da revolta Síria que, hoje, se encaminha para a guerra civil. Pouco mudou em termos de cenário e de participantes, mas a percepção popular sobre os eventos parece ter mudado. E para pior.
A mídia comercial insiste em retratar os insurgentes sírios como um grupo homogêneo de lutadores pela liberdade, ao passo que Assad e toda a “situação” síria, pró-governamental é mostrada como sanguinária e apenas interessada no poder. Esta visão é datada e carregada de interesses.
Os opositores de Assad são vários e nem de longe unificados. Pequenas facções divididas não apenas em cores religiosas, mas também divididas em tribos e clãs e com os mais diversos interesses. A franca maioria dos insurgentes é da maioria sunita, que é marginalizada por Assad, um alauíta, mas também é possível encontrar alguns poucos cristãos junto a eles. Há grupos laicos e militantes islâmicos, grupos com cristãos e grupos anticristãos, além de grupos financiados pelos EUA, outros vindo do Líbano e grupos independentes, enfim, uma salada indigesta sob todos os pontos de vista.
Ao lado do governo luta não apenas o exército, mas a milícia Shabbiha, cuja influência governamental é incerta, e outros grupos menores, especialmente cristãos e drusos.
Os EUA, por sua vez, tem dificuldade em conseguir organizar e armar a oposição – fragmentada -, ao passo que Israel teme que o regime que venha a surgir pós-Assad seja ainda pior e mais ferrenhamente opositor. A Síria se assemelha à Líbia, um país com relativa estabilidade e bons índices sociais, relativamente laicos e com mulheres com mais liberdade que os vizinhos, mas dividido em clãs e tribos, ainda que controladas.
Com a ação dos EUA e aliados para desestabilizar o país – aliado com um princípio legítimo de revolta – as fraturas sociais começam a aparecer e uma guerra civil torna-se inevitável. Se por um lado há tanques e aviões de Assad realizando ataques às regiões controladas pelos vários grupos rebeldes, por outro as principais atrocidades são cometidas por grupos governistas e não pelo exército. Se Assad é o responsável direto, porém, pelas ações destes grupos é algo que não passa de especulação.
É preciso considerar que as minorias drusas, xiitas, cristãs e alauítas temem um regime islâmico sunita não apenas pelo caráter religioso, mas também pela possível vingança que este grupo majoritário organizaria contra minorias que passaram décadas senão no poder, próximos a ele.
O exército sírio é povoado por cristãos e alauítas e motivo de ressentimento por parte da maioria sunita. A resposta desta maioria dominada pode ser um banho de sangue e a limpeza étnica.
Uma saída “iemenita”, como também aventam altos oficiais dos EUA não seria simples. Em outras palavras, um acordo para que Assad deixasse o poder, como fez o presidente/ditador do Iêmen, Saleh, poderia acirrar ainda mais os ânimos de um conflito que, diferentemente do Iêmen, não é apenas tribal e pelo fim de uma ditadura, mas também sectário, religioso. As minorias que hoje apoiam Assad poderiam revidar ainda com mais força a insurgência sunita devido à derrota e ao pânico de serem dizimados.
Da mesma forma, a saída de Saleh do poder não veio acompanhada do fim dos conflitos separatistas no sul do Iêmen ou dos conflitos tribais no norte, assim como a ação da Al Qaeda local, como bem lembrou o jornalista Gustavo Chacra em artigo recente.
É preciso ainda ter em mente também o efeito que o conflito sírio vem causando no Líbano, que pode mergulhar novamente no caos caso o Hezbollah – financiado pela síria – e grupos próximos, como os cristãos de Michel Aoun ou os sunitas do Amal, resolvam intervir ou mesmo passem a repetir o conflito no país vizinho em seu próprio quintal.
Novamente, não há como negar que Assad ou elementos próximos ao regime vem cometendo atrocidades, mas estas também são cometidas pelos insurgentes, mas apenas não encontram eco semelhante na mídia comercial. Michel Chossudovsky, por exemplo, publicou recentemente artigo do jornalista russo independente Marat Musin em que ele denunciava o já famoso Massacre de Houla como resultado da ação do Exército de Libertação Sírio, ou seja, dos rebeldes que teriam massacrado famílias leais a Assad.
Não é possível corroborar tais informações, da mesma forma que é impossível provar categoricamente que a ação tenha sido obra do exército de Assad ou da milícia Shabbiha, mas o caso serve para ilustrar o jogo de propaganda e contrapropaganda que esconde o que efetivamente acontece no país.
Outro aspecto importante do conflito – e que é fruto do processo de desinformação midiático de ambos os lados - é a guerra particular travada entre a Rússia e os EUA por zonas de influência. A Rússia vê na Síria – assim como no Irã – bastiões de resistência de sua influência no Oriente Médio, ao passo que boa parte dos vizinhos estão sob esfera americana – alguns depois da quase destruição via intervenção dos EUA.
Afeganistão, Iraque, Israel, Arábia Saudita e demais países do Golfo são um entrave aos interesses russos e a queda do regime sírio imporia uma nova derrota à diplomacia deste país.
A defesa tenaz de Serguei Lavrov, ministro das relações exteriores da Rússia, ao regime sírio se explica por estes interesses e, também, mas em menor parte, pela dúvida que continua pairando sobre as reais intenções dos insurgentes.
A Líbia é um excelente paralelo, onde, depois de uma intervenção por parte dos EUA e aliados europeus, mergulhou no caos, em disputas de facções rivais divididas em tribos e clãs, e não dá mostras de se recuperar brevemente. Uma intervenção armada, como querem os EUA, poderia pulverizar ainda mais o conflito, ampliando o número de grupos lutando pelo poder e ampliar os massacres. Apesar da grande mídia se limitar a denunciar massacres cometidos ou supostamente cometidos pelo governo e seus aliados – inclusive com fotos falsas de corpos e através de denúncias com pouca credibilidade – massacres vem ocorrendo também contra grupos pró-governo, vitimando crianças, mulheres e não combatentes.
A autoria dos massacres é, por vez, de difícil identificação, sobrando para a propaganda midiática de um ou outro lado fazer seu trabalho.
Não resta dúvida de que a situação é complicada, cuja resolução não está apenas longe, mas ainda não parece possível. A certeza, porém, é que a pressão dos EUA e aliados sobre o governo junto a uma campanha difamatória midiática e o financiamento que chega até à doação de armamento à oposição apenas contribui para o acirramento que periga chegar até Damasco e tornar-se de vez uma sangrenta guerra civil. Em outras palavras, a ingerência estrangeira em um conflito – ainda – interno da Síria apenas contribui para torná-lo ainda pior.

Raphael Tsavkko Garcia é bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestrando em comunicação pela Faculdade Cásper Líbero.




segunda-feira, 11 de junho de 2012

Educação no Brasil, por Darcy Ribeiro


Artigo de Darcy Ribeiro(1986)





Dois fatos impressionam na educação brasileira: a magnitude da rede escolar pública e sua precariedade. Ela tem, hoje em dia, na condição de alunos, cerca de 30 milhões de pessoas. Se acrescentarmos os professores e administradores da educação, esse número será ainda maior. É de se perguntar, porém, o que produz essa máquina tão prodigiosamente grande. O produto principal da máquina educacional brasileira são 500 mil analfabetos adultos por ano, uma vez que não será menor que meio milhão o número de jovens brasileiros que chegam, anualmente, aos 18 anos, analfabetos. Só no Rio de Janeiro avaliamos em pelo menos 50 mil a produção anual de analfabetos, a maioria deles com três ou quatro anos de escolaridade.
Se estendermos a condição de analfabeto à do iletrado ou do analfabeto funcional - aquele que desenha o nome e se declara alfabetizado, mas é incapaz de obter ou de transmitir uma informação escrita - veremos que dobrará, no Brasil e no Rio, o número de brasileiros que ingressam anualmente na vida adulta marginalizados da cultura do seu povo e do seu tempo por não estarem incorporados à civilização letrada.


Brasil - Escolaridade no Censo Nacional de 1970 e 1980 para maiores de 10 anos



Sem escolaridade
Um ano
Dois anos
Total
1970
24,0 mi
5,1 mi
6,9 mi
32,0 mi
1980
24,0 mi
4,8 mi
7,3 mi
36,3 mi


Para atendermos a 140 milhões de brasileiros - quase metade dos quais com menos de 18 anos - com índices de educação satisfatórios, deveríamos ter muito mais do que esse número aparentemente espantoso de 30 milhões de pessoas movimentando a máquina do ensino público.
Embora nosso sistema educacional tenha saltado de seis milhões de pessoas em 1950 para 10 milhões em 1960, para 19 milhões em 1970 e para 30 milhões hoje, a verdade é que a escola pública brasileira não cresceu onde devia, nem como devia.
O que se obteve com esse crescimento meramente quantitativo foi uma escola de mentira, incapaz até mesmo de cumprir a tarefa elementar de alfabetizar a população. Nas últimas décadas em que o Brasil "progrediu" tão assinalavelmente em tantos campos, só viu crescer o número de analfabetos adultos.
Examinando o resultado do censo de 1970, para o conjunto do Brasil, veremos que do total de 65,8 milhões de brasileiros com mais de 10 anos de idade, 24 milhões nunca tinham ido à escola (8,7 deles nas cidades e 15,3 nas zonas rurais). Cinco milhões tinham tido apenas um ano de escola e sete milhões, só dois. Tínhamos, conforme se verifica, 32 milhões de habitantes, que eram analfabetos funcionais. O censo nacional de 1980 reproduzia quase os mesmos números absolutos de analfabetos funcionais, que aumentaram de 32 para 36,3 milhões, demonstrando assim que os problemas educacionais só têm se agravado.

Números expressivos
Para precisar melhor o nosso fracasso educacional, vejamos alguns números expressivos. Com respeito aos analfabetos de 15 anos e mais, registrados nos recenseamentos, por exemplo, as porcentagens, décadas após décadas, vêm diminuindo, mas o número absoluto vem aumentando. Eram 56,2% os analfabetos maiores de 15 anos em 1940, somando 13 milhões. Os analfabetos de 1950 eram 50,5% e montavam a 15 milhões. Caíram para 39,3% em 1960, mas seu número elevou-se para 16 milhões. Em 1970, a porcentagem desceu para 33% mas o número absoluto de analfabetos alçou-se a 18 milhões.

O mesmo Censo de 1970 nos revela que entre os jovens de 14 anos de idade, 24,3%, o que equivale a uma quarta parte, não sabia ler e escrever. Esta juventude analfabeta era de 42% nas zonas rurais e de 10% na cidade. Finalmente, no último Censo, em 1980, a porcentagem subiu para 25,9% e o número absoluto elevou-se para 19 milhões. São esses os número censitários dos analfabetos adultos do Brasil. Eles nos estão a dizer que toda a zuaba do Mobral sobre a extinção do analfabetismo era outro milagre estatístico.
Esses números e proporções tornam-se mais significativos quando comparados com outros desempenhos educacionais. Enquanto o Brasil de 1980 conta com 19 mlhões de analfabetos adultos e com a porcentagem de 26%, na Argentina essa porcentagem é de 6% em 1976 e, em Cuba, já em 1961, era de 3%. No caso de Cuba, pode-se explicar o êxito educacional pelo empenho que o socialismo põe na educação popular; mas no caso da Argentina e de tantos outros países da América Latina, a nossa inferioridade estatística reflete uma inferioridade efetiva no esforço por alfabetizar e na capacidade de alcançar esta meta elementar.


Brasil - Censos Nacionais: analfabetos com 15 anos e mais


1950: 50,5% - 15 mi
1970: 33,0% - 18 mi
1960: 39,3% - 16 mi
1980: 26,0% - 19 mi
Analfabetismo na América Latina

Cuba 1961: 3%
Uruguai 1978: 10%
Argentina 1976: 6%
Costa Rica 1975: 11%
Mais expressivos ainda do que a medida censitária desse resíduo de letrados na população pelo funcionamento da escola são os dados abaixo referentes ao fluxo de alunos da 1ª à 4ª série. A escolaridade, com expressão da capacidade que o sistema tem de absorver, é incrivelmente baixa. Metade das nossas crianças não consegue nem saltar a barreira da primeira série para se matricular na segunda, e apenas 40% das crianças alcançam a quarta série, que corresponde àquele mínimo de domínio da escrita e da leitura com o qual uma pessoa está habilitada a operar, com eficácia, dentro de uma sociedade letrada.

1975 - 1ª série - 1000
1976 - 2ª série - 486
1977 - 3ª série - 464
1978 - 4ª série - 417


Examinando esses dados com mais atenção, podemos tirar outras conclusões. A principal delas é desvendar o engodo que se esconde atrás desses números. Ele começa a revelar-se quando se observa que quem passa da segunda para a terceira série progride mais ou menos bem daí por diante: 486 - 464 - 417. Com efeito, quem salta as duas primeiras séries - principais barreiras e verdadeiros depósitos de crianças condenadas à evasão - tem grandes possibilidades de concluir o 1º grau. Isso significa que as primeiras duas séries são as grandes peneiras que selecionam quem vai ser educado (48,6%) e quem vai ser rejeitado (51,4%), quem é escolarizável e quem não é. 
Para alcançarmos a necessária objetividade na apreciação da realidade educacional do Brasil, é conveniente fazer algumas comparações. Para isso se prestam bem os dados referentes ao fluxo da escolaridade em países latino-americanos. O México, que tem maior homogeneidade cultural e um grau semelhante ao nosso desenvolvimento econômico, alcança um desempenho educacional muito melhor, uma vez que promove à segunda série cerca de 70% dos alunos e leva à quarta série mais da metade. O Paraguai e a Bolívia, nações irmãs tanto ou mais pobres do que nós, vivem uma situação ainda mais difícil no que concerne à educação, porque lá a população não fala a língua da escola. No Paraguai se fala guarani; na Bolívia, o quíchua e o aimará; nos dois países, a escola ensina em espanhol. Apesar disso, a porcentagem de crianças que lá concluem as seis séries primárias é maior do que a nossa.
Não nos iludamos pensando que os dados globais referentes ao Brasil como um todo sejam negados quando se focalizam as áreas mais ricas e desenvolvidas, incluindo as grandes cidades. Mesmo na cidade do Rio de Janeiro, considerada, sem sombra de dúvida, aquela em que houve historicamente, maior investimento na educação, e em que se construiu uma rede escolar frondosa e um professorado multitudinário, mesmo aqui o nosso desempenho educacional é menos do que medíocre. Na verdade, a educação que o Rio de Janeiro provê à sua população é de tão baixa qualidade como a que se ministra nas áreas mais pobres do país. A situação de São Paulo é semelhante, uma vez que, lá também, metade das crianças não está passando da primeira para a segunda série e que a progressão, daí por diante, é igualmente precária. Como se verifica, o mal é generalizado e constitui, sem dúvida, uma doença nacional: não fomos capazes, até hoje, de criar uma escola pública honesta, adaptada às necessidades da população brasileira.

Uma escola pública antipopular
Tamanho fracasso educacional não se explica, obviamente, pela falta de escolas - elas aí estão, numerosíssimas - nem por falta de escolaridade, uma vez que estão repletas de alunos, sobretudo na primeira série, que absorve quase metade da matrícula. Muitos fatores contribuem para estre fracasso, como procuraremos demonstrar a seguir. Só queremos adiantar agora que a razão causal verdadeira não reside em nenhuma prática pedagógica. Reside, isto sim, na atitude das classes dominantes brasileiras para com o nosso povo.
Um fator importante do nosso baixo rendimento escolar reside na exigüidade do tempo de atendimento que damos à criança.
Este ângulo da questão merece especial atenção. A criança das classes abandonadas que têm em casa quem estude com ela, algumas horas extras, enfrenta gahlardamente esse regime escolar em que quase não se dá aulas. Ele só penaliza, de fato, a criança pobre oriunda de meios atrasados, porque ela só conta com a escola para aprender alguma coisa. Aqui está o fulcro da questão: nossa escola fracassa por seu caráter cruelmente elitista. Alguns educadores alienados, envoltos nas névoas da sua pedagogia pervertida, estão dispostos a firmar que o fracasso escolar da criança pobre se deve a deficiências que ela traz de casa. A escola não teria nada a ver com isso. Os professores enfrentariam, neste caso, uma situação carencial insuperável, em conseqüência da qual a maioria da população brasileira seria ineducável.
A criança popular urbana, que vive em condições precárias, nas favelas ou nos bairros pobres da periferia, como em tantas outras regiões do Brasil, é essencialmente diferente da criança afortunada que vive nas áreas ricas. O pequeno favelado, comendo pouco e mal, cresce raquítico. Às vezes é até prejudicado por malformações, se a fome ocorre muito cedo ou se é demasiada. Sua afla é também peculiar e atravessada, aos ouvidos da professora. Toda a sua inteligência está voltada para a luta pela sobrevivência autônoma, em esforços nos quais alcança uma eficácia incomparável. A criança afortunada se desenvolve bem fisicamente, fala a língua da escola, é ágil no uso do lápis e na interpretação de símbolos gráficos e chega à escola altamente estimulada pelos pais, através de toda espécie de prêmios e gratificações, para aprender rapidamente. Uma e outra têm incapacidades específicas: o favelado, para competir na escola; o afortunado, para sobreviver solto na cidade. Ocorre, porém, que todos vão à escola e ali competem; mas o menino rico não tem, jamais, de lutar pelo sustento, nem de 

cuidar dos irmãos, e raramente cai na delinqüência. Nessas circunstâncias, um desempenho natural e inevitável é valorizado e premiado pela escola; o outro é severamente punido.
Frente a esses fatos, precisamos começar a reconhecer e proclamar que temos uma escola primária não só seletiva, mas elitista. Com efeito, ela recebe as crianças populares massivamente, mas, tratando-as como se fossem iguais às oriundas dos setores privilegiados, assim as peneira e exclui da escola. Vale dizer que nosso pendor elitista começa na escola primária. Ela, de fato, se estrutura para educar as classes abonadas e não o povo, que constitui a imensa maioria de sua clientela.
Como negar, diante destas evidencias, que temos uma escola desonesta, uma escola inadequada? O fato irretorquível é que ela funciona, tomando como sua clientela própria, normal, uma minoria. Ela é, pois, uma escola para os 20%, não é uma escola para os 80% da população. Uma escola desvairada que vê como desempenho normal, desejável e até exigível de toda criança, o rendimento "anormal" da minoria de alunos, que têm quem estude com eles em casa mais algumas horas, e que vivem com famílias em que alguns membros já têm curso primário completo. Como na imensa maioria das famílias brasileiras não há esta pessoa, desocupada e pronta para tomar conta das crianças e estudar com elas, a escola não tem o direito de esperar isto. Funcionando na base dessa falsa expectativa, ela é uma escola hostil à sua clientela verdadeira, por que, sendo uma escola pública, a sua tarefa é educar as crianças brasileiras, a partir da condição em que elas se encontrem. 
Uma degradação tão grande e tão perversa do sistema educacional só se explica por uma deformação da própria sociedade. Nosso desigualitarismo cruel, que conduz ao descaso pelas necessidades do povo, leva à incúria também no campo da educação, permitindo que viceje esse monstro que é uma escola pública antipopular.
Suas causas, a nosso juízo, residem nas camadas mais profundas do nosso ser nacional e dizem respeito ao caráter mesmo de nossa sociedade. Tememos, até, que nós brasileiros, pela sociedade que somo e pela forma como ela está organizada, estejamos estruturados de maneira pervertida. Somos uma sociedade deformada que carrega dentro de si cicatrizes e malformações históricas profundas que teremos muitas dificuldades em superar. Dificuldades tanto maiores quanto mais tardemos em reconhece-las e em denunciá-las.

Causas profundas
Estamos, como se vê, diante de um fenômeno que precisa ser explicado: como é que o Brasil consegue ser tão ruim em educação? Quem quisesse organizar um país com o objetivo expresso de alcançar, com tantos professores e com tantas escolas, um resultado tão medíocre, teria que fazer um grande esforço. Um país monolíngüe como o nosso, em que não há nenhuma barreira de ordem étnica ou cultural, conseguir ser tão medíocre no seu desempenho educacional é realizar, sem dúvida, uma façanha incomparável. Ainda que nada invejável.
Um certo objetivismo sociológico dá explicações copiosas, expressas em numerosas teses doutorais sobre as causas deste fracasso, tratando-o sempre como natural e até necessário. Notoriamente, a função social desse objetivismo é nos consolar, demonstrando que tudo isto decorre dos processos de urbanização e de industrialização. Processos que, transladando a população trabalhadora do campo para a cidade - por força do próprio progresso que afinal nos alcança - perturba as instituições sociais, inclusive as educacionais, compelindo-as a se transfigurarem tão precariamente. Advertem, nesta altura, que o problema é ainda mais complicado porque à urbanização caótica se seguiu um processo de industrialização intensiva que, exigindo mão-de-obra moderna e disciplinada, reclamaria uma nova escola ideológica, capacitada a domesticar os camponeses urbanizados e proletarizados, através de uma indoutrinação que os convença de que são pobres porque são burros.
Essas seriam as causas do desastre para os liberais. Desastre, aliás autocorrigível, dizem eles, uma vez que a modernização das cidades brasileiras, criando pólos de progresso, iria dissolvendo os bolsões de atraso, até que a civilização industrial a todos homogeneizasse, num assalariado capitalista moderno. Alguns sociólogos esquerdistas aderem a estas teses acrescentando triunfalmente que só a revolução socialista dará aos brasileiros a escola primária que a revolução burguesa deu por toda parte. Toda essa literatura não ensina nada. No máximo fotografa algumas situações sem explica-las. Para tanto, precisamos fazer uma crítica história da razão sociológica.
Seria verdade que nosso desastre educacional se deve a tais processos, se o ensino houvesse sido bom antes da urbanização caótica e da industrialização intensiva. Se ao menos ele fosse comparável, ao que fizeram em matéria de educação, outros países latino-americanos após a independência, como a Argentina, o Uruguai e o Chile. Como nada disso ocorreu entre nós, cevemos concluir que nosso descalabro educacional tem causas mais antigas. Vem da Colônia que nunca quis alfabetizar ninguém, ou só quis alfabetizar uns poucos homens para o exercício de funções governamentais. Vem do Império que, por igual, nunca se propôs educar o povo. A República não foi muito mais generosa e nos trouxe à situação atual de calamidade na educação.
Nós propomos, como explicação, que estamos diante de um caso grave de deficiência intrínseca da sociedade brasileira. Nossa incapacidade de educar a população, como a de alimenta-la, se deve ao próprio caráter da sociedade nacional. Somos uma sociedade enferma de desigualdade, enferma de descaso por sua população. Assim é, porque aos olhos das nossas classes dominantes, antigas e modernas, o povo é o que há de mais reles. Seu destino e suas aspirações não lhes interessa, porque o povo, a gente comum, os trabalhadores, são tidos como uma merda força de trabalho, destinada a ser desgastada na produção. É preciso ter coragem de ver este fato porque só a partir dele, podemos romper nossa condenação ao atraso e à pobreza, decorrentes de um subdesenvolvimento de caráter autoperpetuante.
Nosso atraso educacional é uma seqüela do escravismo. Nós fomos o último país do mundo a acabar com a escravidão, e este fato histórico, constitutivo de nossa sociedade, tem um preço que ainda estamos pagando. Com efeito, o escravismo animaliza, brutaliza o escravo, arrancado de seu povo para servir no cativeiro, como um bem semovente do senhor. De alguma forma, porém, ele dignifica o escravo porque o condena a lutar pela liberdade. Desde o primeiro dia, o negro enfrente a tarefa tremenda de reconstruir-se como ser cultural, aprendendo a falar a língua do senhor, adaptando-se às formas de sobrevivência na terra nova. Ao mesmo tempo, se rebela contra o cativeiro, fugindo e combatendo, assim que alcança um mínimo de compreensão recíproca e de capacidade de se situar no mundo novo em que se encontra.
Este é o lado do escravo, na escravidão. O lado do senhor é o exercício do papel de castigador do escravo, de explorador, condenado ao opróbrio, porque seu combate é para eternizar o cativeiro. Uma classe dominante feita de senhores de escravos ou de descendentes deles é uma classe enferma que carrega em si, no mais recôndito de seus sentimentos, a herança hedionda dos gastadores de gente. Para este patronato, o negro escravo e, por extensão, o preto forro e ainda todo o povo, é uma mera força de trabalho, é uma massa energética desgastável, um carvão humano que se queima na produção.
Alguém poderia argumentar que estes ancestrais estão muito longe de nós. São nossos avós, é verdade, distantes de nós, é certo; mas nem tanto que não sejamos dignos netos deles, guardando em nossos genes e em nosso espírito, sua herança tão legítima como hedionda.
O fracasso brasileiro na educação - nossa incapacidade de criar uma boa escola pública generalizável a todos, funcionando com um mínimo de eficácia - é paralelo à nossa incapacidade de organizar a economia para que todos trabalhem e comam. Só falta acrescentar ou concluir, que esta incapacidade é, também, uma capacidade. É o talento espantosamente coerente de uma classe dominante deformada, que condena seu povo ao atraso e à penúria para manter intocada por séculos, a continuidade de sua dominação hegemônica e as fontes de seu enriquecimento e dissipação. Uma dominação infecunda, que nos põe na retaguarda das nações e nos afunda no retrocesso histórico, porque isso é o que corresponde aos interesses imediatistas da nossa classe dominante. Quem duvidar, cuidando que a culpa é do capitalismo, veja o que os capitalistas fizeram na América do Norte. Às vezes penso que nós somos o que seriam os Estados Unidos se o Sul vencesse a Guerra de Secessão. Aqui a escravidão venceu, e mesmo depois de estirpada pela lei, foram os líderes do Império Escravista que passaram a reger a República.
A esta luz se vêem como façanhas elitistas o que são fracassos sociais. Assim se entende que tenhamos um vastíssimo sistema educacional que não educa, bem como portentosos serviços de assistência e previdência social que funcionam de mentira. Em resumo, que em tudo que serve ao povo, sejamos campeões de ineficácia.

A revolução educacional do Rio
A eleição de Leonel Brizola para Governador do Rio de Janeiro ensejou o primeiro programa sério de reforma do sistema escolar público de primeiro grau. Existiram tentativas anteriores, é certo, mas não passaram de meros ensaios de breve duração, apesar de ser muito antiga entre nossos educadores uma aguda consciência crítica sobre a gravidade do problema educacional brasileiro.

Agora, um Estado da Federação, com 14 milhões de habitantes, e cerca de 2,5 milhões de crianças nas escolas públicas assume expressamente o compromisso de fazer da educação popular sua meta prioritária. Cria, para isso, uma Comissão Coordenadora, a cargo do Vice-Governador, armando-a de poderes para elaborar um Plano Especial de Educação e dotando-a de recursos que ultrapassam US$ 400 milhões para custear sua execução.
Essa deliberação histórica foi tomada com base na consciência de que numa sociedade de cultura letrada o analfabeto e o insuficientemente instruído são marginais. E mais ainda, de que quando eles formam uma grande massa, tal como ocorre no Brasil, é a própria nação que se vê condenada a existir à margem da civilização do seu tempo.
A escolha da educação como a prioridade fundamental responde, essencialmente, à ideologia socialista-democrática do 
Partido Democrático Trabalhista de Leonel Brizola. Essa ideologia é que, contrariando uma prática antiqüíssima de descaso em matéria de instrução pública, nos deu a coragem de abrir os olhos para ver e medir a gravidade do problema educacional brasileiro e sobretudo a ousadia de enfrenta-lo com a maior massa de recursos que o Estado pôde reunir.
A escolha da educação como meta prioritária decorreu também do fato da maior parte das áreas de ação governamental estar na órbita do Poder Federal, enquanto as escolas públicas de 1º e 2º graus estão na jurisdição dos governos estaduais e municipais. Assim é que se oferecia não só a possibilidade de uma atuação autônoma e enérgica, como também a de concentrar os esforços governamentais numa ação social transformadora da maior importância econômica, cultural e política.
Assim que assumiu o Governo, Leonel Brizola tomou várias medidas de emergência na área da educação. Algumas delas de enorme importância, tais como a reconstrução da rede escolar, que se encontrava em estado precaríssimo, a transformação da merenda escolar de forma a assegurar diariamente 2 milhões de refeições completas às crianças das escolas públicas; e, ainda, o transporte gratuito de alunos que vistam o traje escolar.
O grande feito do governo Leonel Brizola foi elaborar o Programa Especial de Educação com a participação de todo o professorado do Rio de Janeiro. Com esse objetivo, realizou-se um verdadeiro anticongresso destinado a debater e revisr um corpo de teses elaborado pela Comissão Coordenadora. Participaram diretamente desses debates 52 mil professores, em reuniões locais, que elegeram mil representantes seus para os encontros regionais, de que surgiram os 00 que discutiram a redação final das bases do Programa Especial de Educação junto com a Comissão Coordenadora. O interesse despertado por esses debates foi tão vivo e intenso que mais de 30000 professores escreveram cartas dando sua opinião sobre as teses. Desse imenso esforço participatório resultou um diagnóstico e um corpo de teses desafiantes e provocativas, que serão apresentadas detalhadamente no decorrer deste livro. 
Com base nesse documento autocrítico é que se fixaram as metas fundamentais do Programa Especial de Educação. A primeira dessas metas é expandir a rede pública com o objetivo de extinguir o terceiro turno, garantindo pelo menos 5 horas de aula a todas as crianças e, simultaneamente, criar um milhar de Casas da Criança que estão sendo implantadas onde a população é mais densa e mais carente para acolher crianças de 3 a 6 anos no programa de educação pré-escolar. Para levar à prática essa meta foi implantada uma Fábrica de Escolas que, operando com a tecnologia de argamassa armada, seta construindo cerca de 600 m² de obras diariamente.
Outra meta fundamental do Programa Especial de Educação é instituir progressivamente uma nova rede de escolas de dia completo - os Centros Integrados de Educação Pública - CIEPs - que o povo passou a chamar de Brizolões. Eles também estão sendo implantados nas áreas de maior densidade e de maior pobreza. Projetados por Oscar Niemeyer, são edificações de grande beleza que constituem orgulho dos bairroes onde se edificam. Cada um deles compreende um edifício principal, de administração e salas de aula e de estudo dirigido, cozinha, refeitório e um centro de assistência médica e dentária. Num outro edifício é destinado à biblioteca pública que serve tanto à escola como à população vizinha. 
No edifício principal se integram também instalações para abrigar 24 alunos-residentes.
Os Brizolões atendem a 1000 crianças de 1ª a 4ª série ou de 5ª a 6ª série, separadamente. Em uns e outros, elas são atendidas de 8 da manhã às 5 horas da tarde e ali recebem, além das aulas, da recreação, da ginástica, 3 refeições e um banho diário. Á noite, o Brizolão se abre para 400 jovens de 14 a 20 anos, analfabetos ou insuficientemente instruídos. Cada Brizolão abriga 12 meninos e 12 meninas escolhidos entre crianças abandonadas e que estejam sob a ameaça de cair na delinqüência.
Outra meta do PEE é o aperfeiçoamento do magistério, tanto o que está em serviço quanto o que está ingressando agora, na carreira. Isso se faz nos CIEPs e em Escolas de Demonstração, especialmente criadas com esse objetivo, através de programas de Treinamento em Serviço e de Seminários de Ativação Pedagógica. O programa produz, ainda, um vastíssimo material de apoio didático, tanto para os CIEPs quanto para a rede comum.
Ao fim do Governo Leonel Brizola, em março de 1987, estarão inaugurados e funcionando 500 Brizolões no Rio de Janeiro e mais de um milhar de escolas menores de vários tipos que atenderão, em melhores condições, perto de um milhão de crianças e jovens.
Através de todo este esforço, o que se busca é criar uma escola pública honesta, por que adaptada às condições e às necessidades do alunado popular. Como era de esperar o Programa tem o apoio da população do Rio de Janeiro e está despertando a consciência do Brasil inteiro para a gravidade do nosso problema educacional.
A grande conquista do Programa Especial de Educação do Rio de Janeiro é, por um lado, essa mobilização da consciência nacional e, por outro lado, a preparação de equipamentos capazes de levar à prática por todo o País soluções experimentalmente comprovadas para a criação da Escola Pública de que necessitamos (Artigo escrito em 1986).