sexta-feira, 26 de setembro de 2014

EUA: um Estado terrorista e inimigo da humanidade



Hoje, ocupado por dezenas de milhares de mercenários ao serviço de empresas mafiosas, o Iraque é na prática uma terra humilhada e ocupada, onde o poder real é exercido pelas transnacionais que se apropriaram do seu petróleo e do seu gás.

Por Miguel Urbano Rodrigues

O chamado Estado Islâmico-ISIL, que se apresenta como refundador do Califado é a ultima aberração gerada pela estratégia de terrorismo de estado do imperialismo estado-unidense.

Essa estratégia surgiu como consequência de efeitos não previstos da execução do projeto de dominação perpétua e universal sobre a humanidade, concebido ainda em vida de Roosevelt, no âmbito do War and Peace Program, um projeto que identificava nos EUA o herdeiro natural do Imperio Britânico.

O Médio Oriente foi a área escolhida pelo Pentágono e o Departamento de Estado para a arrancada do ambicioso Programa, precisamente porque o Reino Unido, muito enfraquecido pela guerra, ter iniciado ali a sua política de retirada escalonada de bastiões imperiais no mundo islâmico.

Nas décadas seguintes, a CIA promoveu golpes na Região com destaque para o que derrubou Mossadegh e restabeleceu no trono do Irão o Xá Reza Pahlavi.

O PANTANO AFEGÃO

A partir de 1980, o governo Reagan financiou e armou as organizações terroristas sunitas de Peshawar que combatiam a Revolução Afegã. Alguns dos seus dirigentes foram recebidos cmo heróis na Casa Branca como «combatentes da liberdade»; Reagan saudou-os como combatentes da liberde e «novos Bolivares».Os bandos desses heróis cortavam os seios a mulheres que não usavam a burka ou cegavam-nas com ácido sulfúrico.

Nessa época, o saudita Bin Laden interveio ativamente como aliado de confiança dos EUA (seu pai fora amigo da família Bush) nas campanhas que visavam o derrubamento do governo revolucionário de Kabul.

Quando Mikhail Gorbatchov abandonou o Afeganistão e os 7 de Peshawar tomaram o poder no país, essas organizações desentenderam-se e iniciou- se um período de guerras fratricidas.

No final da Presidência de Bush pai, os EUA, que tinham patrocinado a guerra de Saddam Hussein contra o Irão, reagiram à ocupação do Koweit, desencadeando a primeira guerra do Golfo em l991. Com o apoio de uma grande coligação avalisada pelo Conselho de Segurança, os iraquianos foram rapidamente derrotados. Bagdad foi submetida a bombardeamentos destruidores, mas Washington não se opôs a que Saddam permanecesse no poder.

No Afeganistão, cujo subsolo encerra recursos fabulosos, a situação assumiu aspetos tao caóticos, com os senhores da guerra a digladiarem-se, que Washington abriu a porta à entrada em cena dos Taliban, uma organização terrorista que a CIA havia criado no Paquistão como «reserva».

Os autointitulados «estudantes de teologia» conquistaram facilmente o país e, instalados em Kabul, assassinaram Muhammad Najibullah, o ultimo presidente legitimo, asilado na Sede da ONU, e promoveram uma politica de fanatismo religioso que fez regressar o país à Idade Media. Bin Laden, mudando de campo, surgiu então como aliado preferencial do mullah Omar, chefe espiritual dos Taliban.

Os EUA recolhiam frutos amargos da sua política agressiva contra o Islão e de apoio incondicional ao Estado sionista de Israel.

Mas foi somente em 2001, apos os atentados contra o World Trade Center e o Pentágono, que a Casa Branca, onde então pontificava Bush filho, tomou a decisão de invadir e ocupar o Afeganistão. Bin Laden foi guindado a inimigo número 1 dos EUA e a Al Qaeda, por ele fundada, adquiriu na propaganda americana as proporções de um polvo demoníaco cujos tentáculos envolveriam todo o mundo islâmico.

Mas, contrariando as previsões de Washington, o povo afegão resistiu à ocupação do país pelos EUA e pela NATO.

O Presidente Obama, que prometera acabar com aquela guerra impopular, enviou para o país mais 100 000 militares. Sucessivas ofensivas de «pacificação» fracassaram e generais prestigiados foram demitidos. Anunciada para este ano a total retirada das forças de combate, a promessa não será cumprida.

Transcorridos 13 anos da invasão, a Resistência 

Afegã (que transcende largamente os Talibans) controla quase todas as províncias, com as tropas estrangeiras concentradas em Kabul e nas principais cidades. O país, devastado pela guerra, está mais pobre do que antes da chegada dos americanos, mas a produção de opio aumentou muitíssimo.

O assassínio de Bin Laden no Paquistão numa operação de comandos nebulosa, montada pela CIA e o Pentágono, não contribuiu, alias, para melhorar a imagem de Obama.

IRAQUE,LIBIA,SIRIA

Longe de extraírem lições da sua política para a Região, os EUA desencadearam em março de 2003 a segunda guerra do Iraque, desta vez sem o aval da ONU.

O pretexto invocado – a existência de armas de extermínio massivo- foi forjado por Bush e Tony Blair. Tais armas, como foi provado, não existiam.

Na invasão foram utilizadas armas químicas proibidas pelas convenções internacionais. Crimes monstruosos foram cometidos e as torturas (incluindo abusos sexuais) infligidas pela soldadesca americana aos prisioneiros iraquianos tornaram-se tema de escândalo de proporções mundiais.

Saddam Hussein foi executado ,apos um mjulgamento sumário, com o aplauso de um governo fantoche, mas, transcorrida mais de uma década, o Iraque regrediu meio seculo. Centenas de milhares de iraquianos morreram de doenças curáveis e de desnutrição.

Hoje, ocupado por dezenas de milhares de mercenários ao serviço de empresas mafiosas, o Iraque é na prática uma terra humilhada e ocupada, onde o poder real é exercido pelas transnacionais que se apropriaram do seu petróleo e do seu gás.

Incapazes de encontrar soluções para a sua crise estrutural, os EUA prosseguiram com a sua agressiva estratégia (ampliando-a) de dominação imperial.

A política de cerco à China e à Rússia intensificou-se. De documentos secretos do Governo federal, tornados públicos

por influentes media, constam planos para arruinar e desmembrar a Rússia, reduzindo-a a potência de segunda classe. 

A multiplicidade de objetivos a atingir quase simultaneamente tem contribuído, porem, para que os resultados dessa política não correspondam às esperanças da Casa Branca.

As mal chamadas «primaveras árabes» foram ideadas para produzirem no Islão um efeito comparável ao das «revoluções coloridas». E isso não aconteceu. No Egito, apos uma cadeia de crises complexas e um golpe de estado que derrubou o presidente Morsi, os EUA conseguiram o que pretendiam. No Cairo ocupa o poder um governo militar do agrado do imperialismo norte-americano e que Israel encara com simpatia.

Mas o balanço da intervenção militar na Líbia é desastroso. Derrubaram e assassinaram Kadhafi, numa guerra de agressão imperial, viabilizada pela cumplicidade da ONU, guerra em que participaram ativamente a França e o Reino Unido, preparada com antecedência pela CIA e os serviços secretos britânicos e a Mossad israelense,
Destruíram as infraestruturas do país para se apossarem do seu petróleo e do seu gás.

Mas o desfecho da operação criminosa não correspondeu ao previsto no organigrama da agressão.

A Líbia é hoje um país ingovernável. Uma parte significativa dos «rebeldes», treinados e armados pelo imperialismo para lutar contra Khadafi, passaram a atuar por conta própria, em milícias que desconhecem o governo títere de Trípoli. O terrorismo tornou-se endémico. O atentado terrorista contra a missão diplomática dos EUA em Bengasi confirmou o estado de anarquia existente e a incapacidade de Washington para controlar as organizações terroristas que o imperialismo introduziu no país.

Do caos líbio não foram porem extraídos também os ensinamentos neles implícitos.

A escalada de agressões prosseguiu. A Síria foi o alvo seguinte. Washington repetiu a fórmula. Uma campanha mediática ampla e ruidosa demonizou o presidente Assad, apresentado como ditador brutal. Depois, «rebeldes» patriotas – muitos dos quadros são estrangeiros – iniciaram a luta contra o governo legitimo do pais.

Contrariando as previsões da CIA, as forças armadas, unidas em defesa do presidente Assad, resistiram e as organizações terroristas, ostensivamente apoiadas pela Turquia e pela Arabia Saudita, sofreram severas derrotas.

Dezenas de milhares de civis, sobretudo mulheres e crianças, foram vítimas da guerra patrocinada pelos EUA.

Compreendendo finalmente que o plano elaborado em Washington estava a fracassar, Obama, numa guinada tática, informou num discurso ameaçador que tinha decidido bombardear a Síria.

A firme atitude assumida pela Rússia obrigou-o, entretanto, a recuar e a desistir da intervenção militar direta.

Essa inocultável derrota política tornou necessária uma revisão da estratégia global dos EUA para todo o Medio Oriente.

Apercebendo-se de que haviam avaliado mal a relação de forças, a Casa Branca e o Pentágono adiaram sine dia o projeto de agressão à Republica Islâmica do Irão, e abriram negociações sobre o tema nuclear com um governo que o imperialismo identificava como polo do «eixo do mal».

A CATÁSTROFE UCRANIANA

A derrota sofrida pelo imperialismo na Síria coincidiu praticamente com o desenvolvimento de outro projeto imperial, mais ambicioso, que visava a integração a medio prazo da Ucrânia na União Europeia e na NATO.

Dispenso- me de recordar, por serem amplamente conhecidos, os acontecimentos que conduziram ao poder em Kiev um governo neofascista apos o derrubamento do presidente Yanukovich. Era um aventureiro, mas havia sido eleito democraticamente.

Mais uma vez o plano golpista foi minuciosamente preparado em Washington.

Mas, novamente, a Historia seguiu um rumo diferente do previsto pelo sistema de poder imperial.

A integração da Crimeia na Rússia demonstrou que o governo de Putin e Medvedev‎ não se deixava intimidar pela agressiva estratégia de Washington.

A recusa das populações russófonas dos leste da Ucrânia a submeter-se aos golpistas de Kiev levou observadores internacionais a admitir que a ofensiva das forças armadas da Ucrânia contra os «separatistas» de Donetsk e Lugansk poderia ser o prólogo de uma III Guerra Mundial. Mas a prudência e serenidade de Putin contribuíram para uma redução de tensões na área, evitando o alastramento de um conflito que poderia ter trágicas consequências para a humanidade.

A crise persiste, mas a própria incapacidade militar do bando de Kiev conduziu ao atual cessar-fogo e às negociações de Minsk.

Na Ucrânia, o tiro saiu também vez pela culatra ao governo dos EUA cuja aliança com fascistas assumidos ilumina o desprezo pela ética política da Administração Obama.

O PESADELO JIHADISTA

Atolado no pantanal ucraniano, o imperialismo estado-unidense (e os seus aliados) enfrenta nestes dias um desafio assustador para o qual sabe não ter solução.

Inesperadamente, uma organização de islamitas fanáticos irrompeu no noroeste do Iraque e em poucas semanas ocupou um amplo território naquele país e no norte da Síria.

Assumindo-se como interpretes intransigentes da sharia, tal como a concebem, proclamaram a restauração do Califado árabe e declaram a sua intenção de promover a sua expansão territorial e espiritual.

Logo nas primeiras semanas, a passagem desses jihadistas por cidades e aldeias conquistadas ficou assinalada pela prática de crimes hediondos, inseparáveis do fanatismo exacerbado da seita jihadista.

O imperialismo sentiu que o empurravam para um impasse. Obama não pode aceitar a ajuda do governo de Bashar al Assad, nem a do Irão. Perderia a face também se recorresse a forças terrestres para combater os jihadistas depois de ter festejado como acontecimento histórico a retirada do Iraque das tropas de combate. Optou então pelo recurso a bombardeamentos aéreos. Recebeu o apoio dos governos de Hollande e de Cameron, mas os especialistas do Pentágono acham que esses bombardeamentos, ditos «cirúrgicos» terão uma eficácia muito limitada.

Os jihadistas responderam degolando dois reféns britânicos em seu poder e ameaçam abater outros se os bombardeamentos prosseguirem.

É imprevisível no momento o desfecho do confronto. Mas os generais do Pentágono afirmam que o exército iraquiano e as milícias do Curdistão autónomo, aliado de Washington, não têm capacidade militar para derrotar os jihadistas.

Em Washington a Administração está mergulhada num pesadelo. Os media mais influentes, do New York Times à CNN, também.

Muitos quadros jihadistas são, afinal, provenientes de organizações terroristas criadas e financiadas pelos EUA para combater regimes que não se submetiam à dominação imperial. Alguns foram treinados por oficiais da US Army.

O desconforto dos media também é compreensível.

As guerras de agressão que atingiram o Afeganistão, o Iraque, a Líbia e a Síria foram precedidas de gigantescas campanhas de desinformação. Durante semanas, os povos dos EUA e da Europa foram massacrados com um tipo de propaganda que apresentava as intervenções militares como exigência da defesa da liberdade e dos direitos humanos em prol da democracia,contra a ditadura e a barbárie.

Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler, afirmava que uma mentira à força de repetida é aceite como verdade. As técnicas de desinformação utilizadas na época parecem hoje brincadeira de crianças se comparadas com a monstruosa máquina mediática controlada pelo imperialismo para anestesiar a consciência dos povos e justificar crimes monstruosos.

O presidente Obama cumpre neste jogo criminoso o papel que lhe foi distribuído. Na realidade o poder real nos EUA está nas mãos do grande capital e do Pentágono. Mas isso nao atenua a sua responsabilidade; a máscara não funciona , o presidente desempenha com prazer e hipocrisia a sua função na engrenagem do sistema de poder. Comporta-se na Casa Branca como inimigo da Humanidade.

Nos últimos seculos somente a Alemanha de Hitler criou uma situação comparável pela monstruosidade dos crimes cometidos à resultante hoje da estratégia de poder dos EUA. Com duas diferenças importantes: a política do III Reich suscitou repúdio universal, mas apenas a Europa foi cenário dos seus crimes. No tocante aos EUA, centenas de milhões de pessoas são confundidas pela fachada democrática do regime, mas os crimes cometidos têm dimensão planetária.

Qual o desfecho da perigosa crise de civilização que ameaça a própria continuidade da vida na Terra?

Vivemos um tempo, após a transformação da Rússia num pais capitalista, em que as forças da direita governam com arrogância em quase toda a Europa. Em Portugal sofremos um governo em que alguns ministros são mais reacionários que os de Salazar.

Mas a Historia é há milénios marcada pela alternância do fluxo e do refluxo. O pessimismo, o desalento não se justificam. A maré da contestação ao capitalismo está a subir.

Não esqueço que Marx ,após a derrota na Alemanha da Revolução de 1848 -49, quando uma vaga de desalento corria pela Europa criticou com veemência o oportunismo de esquerda e o de direita, contaminando a Liga dos Comunistas. Dirigindo-se à classe operária, afirmou que os trabalhadores poderiam ter de lutar 15,20 ou mesmo 50 anos antes de tomarem o poder. Mas isso não era motivo para se desviarem dos princípios e valores do comunismo.

A revolução socialista tardou 70 anos. E não eclodiu na Alemanha ou na França ,mas na Rússia autocrática. O ensinamento de Marx permanece válido. Mas neste limiar do seculo XXI não será necessário esperar tanto tempo.

A vitória final depende das massas como sujeito da História.

A advertência de Rosa Luxemburgo nao perdeu atualidade. Ou o capitalismo, hegemonizado pelo imperialismo norte-americano, empurra a humanidade para o abismo, ou a luta dos povos o erradica do planeta. A única alternativa, creio, será então o socialismo.



terça-feira, 23 de setembro de 2014

JOVENS DE DIREITA E A NOVA POLÍTICA DE SEMPRE

Jovens de direita e a nova política de sempre

Redução da maioridade penal, privatização das universidades públicas, kit para ensinar meninos a serem “machos” e até defesa do regime militar: conheça quem são e o que pensam os jovens candidatos da direita brasileira

Por Maíra Streit | Fotos retiradas do site Eleições 2014

A maioria deles nasceu nos anos 1980, período marcante no processo de redemocratização do país. Foi nessa década que eclodiu o movimento Diretas Já, em que diversos setores da sociedade – como lideranças sindicais, artistas, jornalistas e estudantes – se uniram para pedir eleições diretas para presidente. Foi também nessa fase o fim do conturbado regime militar, que, sob o pretexto de combater o comunismo, traçou várias das mais sangrentas páginas da história brasileira, com atos de censura, repressão e mortes.

A partir daí abriu-se espaço para um outro momento, com a aprovação de uma nova Constituição Federal para, no fim da década, ser a vez de o povo finalmente ir às urnas para eleger seu maior representante – e ter forças para tirá-lo três anos depois, devido a denúncias de corrupção. Não há dúvidas de que os anos 1980 foram tumultuados e igualmente importantes para o que se entende hoje da política brasileira.

E é natural pensar que essa geração, nascida em meio a tantas conquistas democráticas, tenha crescido com uma visão mais progressista e libertária, uma vez que herdou as benesses vindas da luta de gerações anteriores e só precisava mantê-las. Porém, na prática, a realidade não é bem essa. Muitos rostos jovens aparecem, cada vez mais, na defesa de valores que deixariam os militares de outrora bastante orgulhosos.

Pena de morte, redução da maioridade penal, endurecimento de táticas para conseguir confissões de suspeitos e até a volta dos anos de chumbo. Essas são algumas das bandeiras levantadas por uma ala que, segundo especialistas, está perdendo a vergonha de marcar posição e assumir seus ideais conservadores. A nova direita no país é formada por lideranças determinadas a romper com o que consideram uma afronta aos “valores da família tradicional” e supostos retrocessos econômicos e sociais implantados pelo governo nos últimos anos.

Trazendo para o atual cenário – em momento de plenas campanhas eleitorais –, o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo federal acirrou a polarização ideológica no Brasil. Aqueles que contrariam as medidas populares assumidas por essa gestão passaram a bater de frente com as propostas de redução das disparidades econômicas e das distinções por gênero, orientação sexual, etnia ou modo de vida.

Ele afirma que o sentimento de “antiesquerdismo” uniu grupos liderados pelo PSDB que pudessem contrapor, de maneira mais enfática, o modo de gestão adotado atualmente. “Chama a atenção, particularmente, o conservadorismo de uma certa juventude tucana, sobretudo quando comparado à posição dos tucanos mais velhos, fundadores do partido, bem menos conservadores. Virou o partido do que em minha juventude chamávamos de ‘mauricinhos’, hoje chamados de ‘coxinhas’”, ressalta.

Para Couto, o rechaço aos programas sociais vigentes traduz o incômodo que eles podem gerar nas camadas mais conservadoras da população e cita como exemplo o programa Bolsa Família, apelidado por parte da oposição de “Bolsa Esmola”. “Os direitistas tendem a rejeitar as políticas públicas que efetivam a igualdade. Assim, podem dizer que não são contra o valor da igualdade, mas rejeitam qualquer meio prático que possibilite buscá-la. E, claro, sempre usam para essa desqualificação o argumento da meritocracia, como se houvesse uma competição equitativa entre os que partem de condições muito desiguais”, explica.

A juventude direitista, então, assumiu o discurso moralizante de seus antepassados e tratou de levá-lo adiante, com todo o afinco. Para o professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), João Feres Júnior, é compreensível que isso aconteça. Ele lembra que, com as grandes manifestações de junho de 2013, houve um discurso apolítico bastante expressivo dentro de uma multidão heterogênea e desorganizada. “Mas, ao mesmo tempo, quando se olha para o lado das eleições, a tendência dos apolíticos é defender os candidatos de direita. Eles pedem mudanças, mas acabam votando nos mesmos, ou até em outros piores”, ressalta.

O especialista destaca que o Brasil viveu, até hoje, um período de transição democrática. Porém, o discurso de direita vinha sendo mantido com o apoio da mídia, que, segundo ele, defende a opinião de apenas um lado: o do liberalismo econômico e de outros ideais conservadores na sociedade. Feres vê a reafirmação desses grupos como parte natural do amadurecimento da democracia no país. No entanto, faz um alerta: “A direita tem sido golpista no Brasil. Espero que não aconteça mais e eles se mantenham dentro do debate, mas acho que ocorreria de novo, se tivessem a oportunidade”.

O que mostram os números

Em 2013, uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha indagou os brasileiros sobre uma série de questões envolvendo concepções políticas e sociais. O resultado mostrou que, de forma geral, a população se divide de maneira igualitária entre a direita (39%, sendo 10% de direita, e os demais 29%, de centro-direita) e esquerda (41%, sendo 10% de esquerda, e 31% de centro-esquerda).

Quando o assunto é economia, a maior fatia fica à esquerda (46%, considerando 21% de esquerda, e outros 25% de centro-esquerda), enquanto a direita abrange 26% (8% de direita, e 18%, de centro-direita), e o centro abriga 27%. Ao tratar somente de temas comportamentais ligados a valores, os segmentos da população com mais afinidades com a direita (49%, sendo 12% de direita, e 37%, de centro-direita) ultrapassam os mais ligados à esquerda (29%, sendo 4% afinados com a esquerda, e 25%, com a centro-esquerda), e o centro ganha espaço (22%).

O levantamento ouviu a opinião de quase 5 mil pessoas em cerca de 194 municípios, acerca de assuntos como crença em Deus, homossexualidade, pobreza, uso de drogas, criminalidade e posse de armas. Os posicionamentos defendidos pelos entrevistados mostram que a sociedade brasileira ainda mantém opiniões conservadoras a respeito de muitos temas considerados polêmicos no cenário nacional.

E é nesse nicho que os partidos de direita têm apostado para conseguir alavancar votos e eleger seus representantes. O professor Adriano Codato, do Departamento de Ciência Política e Sociologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), chama a atenção para uma parcela de alguns desses grupos que, embora seja “eleitoralmente irrelevante”, tem visibilidade nas redes sociais, nos fóruns de discussão e é alimentada pela grande imprensa por conta de suas notícias e opiniões.

A grande contradição, segundo Codato, está em determinados candidatos defenderem, ao mesmo tempo, o liberalismo econômico, mas se oporem frontalmente a alguns valores individuais. E, para ele, essa é também uma concepção que muda de acordo com a classe social. “À medida em que as pessoas melhoram de vida, elas tendem a ser mais conservadoras, justamente para não arriscar perder o status conquistado”, afirma.

Quem são eles?

Os estudiosos apontam para os efeitos das grandes manifestações do ano passado na integração de parte da juventude no discurso ideológico de direita. Também alertam que a mídia tem, em grande parte, responsabilidade na manutenção de um viés mais reacionário no país, além da polarização política inevitável com a ascensão do PT ao poder, que, de certa forma, uniu a oposição para derrubá-lo. Mas o que pensam os próprios jovens que integram e defendem os ideais de direita?

Fórum foi ouvir quatro representantes que concorrem a cargos públicos nas eleições deste ano, para entender as motivações, as propostas de campanha e o que, de fato, acreditam ser o melhor projeto para a mudança nas condições de vida da população. As opiniões são diversas e, muitas vezes, polêmicas. Quanto ao resultado disso tudo, somente as urnas poderão dizer.

dr-matheus-sathlerMatheus Sathler
“Praticantes do homossexualismo infectaram todas as instituições com o que chamo do vírus ideológico do ‘Eboiola’”, afirma
Idade: 31 anos
Partido: PSDB/DF
Profissão: advogado
Candidato a deputado federal

Em pouco tempo de vida pública, Matheus Sathler coleciona uma lista infindável de polêmicas em torno de seu nome. A maior delas diz respeito à defesa da criação de um “kit macho”, para ensinar meninos a “gostar somente de mulheres”, e um “kit fêmea”, que seria responsável por passar às meninas informações de como “serem femininas” e seguirem “o seu papel correto” na sociedade, segundo palavras do próprio advogado.

De acordo com ele, a proposta viria para contrapor o chamado “kit gay”, projeto de distribuição de conteúdos e materiais contra a homofobia nas escolas. A ideia foi apresentada durante a propaganda eleitoral na televisão e causou revolta entre militantes feministas e do movimento LGBT de todo o país.

Questionado sobre o mal-estar gerado pelo assunto, o presidente regional do PSDB, Eduardo Jorge, determinou que o programa fosse retirado do ar e afirmou que o partido não compactua com o tom homofóbico apresentado pelo jovem candidato. Porém, isso não impediu que Sathler continuasse defendendo o projeto em entrevistas e reuniões de campanha e, até o momento, não houve qualquer medida que inviabilizasse a sua candidatura.

O ataque às mulheres e aos homossexuais fica explícito, por exemplo, ao defender que esses grupos devem manter distância da polícia e das Forças Armadas. “Nós nos baseamos no fato de a mulher ser muito delicada para exercer tal atividade notoriamente bruta, rude e máscula. Mas minha posição mais contundente é contra a presença dos praticantes do homossexualismo [sic] nessa instituição tão honrada. O que eles querem não é servir a pátria, mas enfiar sua agenda sodomita goela abaixo para desmoralizar essa instituição de machos”, destaca.

Aliás, o linguajar politicamente incorreto se tornou marca registrada do candidato, que completou: “infelizmente os praticantes do homossexualismo infectaram todas as instituições com o que chamo do vírus ideológico do ‘Eboiola’, principalmente os partidos políticos”. Em vídeo publicado no YouTube, Stathler registra em cartório o seu compromisso de doar 50% do salário como deputado para “recuperação dos órgãos genitais” de vítimas de “estupro pedófilo homossexual”. Em outra gravação, chama a presidenta Dilma Rousseff de “anta” e afirma sentir orgulho de ser chamado de machista.

paulo-batistaPaulo Batista
O raio privatizador não perdoa nem as universidades públicas
Idade: 34 anos
Partido: PRP/SP
Profissão: empresário
Candidato a deputado estadual

Com o slogan “Magoe um socialista, vote no Batista”, o candidato de São Paulo é autor de uma das campanhas mais excêntricas das eleições deste ano. Em vídeo de divulgação de sua candidatura, ele aparece como um super-herói que tem como poder o “raio privatizador”. Ao ser disparado contra universitários em uma manifestação, eles logo chegam à formatura. O “super-poder” também teria sido o responsável por melhorias nas condições do metrô.

Embora a maneira de explicitar isso seja questionável para alguns eleitores por causa do tom extremamente debochado, o material deixa nítida a ideia do candidato de que as privatizações são a melhor solução para os problemas da sociedade brasileira. Ideia essa que não deixou de fora nem mesmo universidades conceituadas como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp), que na concepção dele, devem se tornar instituições particulares.

De acordo com Batista, a tradição de defender as universidades públicas seria uma forma de os mais pobres financiarem a faculdade dos mais ricos. “Cada aluno da USP, por exemplo, custa mensalmente aos cofres públicos cerca de R$ 4.500. Tais recursos são direcionados quase que exclusivamente a pagamentos de salários e encargos, deixando a instituição de joelhos diante de grupos de pressão como sindicatos e lideranças estudantis ligadas a partidos de esquerda”, acredita.

Outra crítica veemente do candidato do PRP diz respeito ao programa “De Braços Abertos”, implantado pelo prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, para resgatar socialmente usuários de crack da região de Nova Luz, centro da cidade. Para ele, a iniciativa seria uma forma de o PT financiar o consumo de drogas entre os dependentes, o que ele chama de “Bolsa Crack”. “O suposto salário não é nada além de uma desculpa para a oferta de dinheiro a usuários de tal droga”, alega.

Ao contrário do que foi afirmado por Batista, dados do Sistema de Informações Criminais (Infocrim), da Secretaria Estadual de Segurança Pública, mostram que, após o programa, o consumo de crack foi reduzido, em média, de 50% a 70%. E, dos 422 beneficiários cadastrados, 23 já receberam o atestado médico de aptidão ao mercado de trabalho, com acompanhamento feito por equipes de saúde e assistência social.

eduardo-bolsonaroEduardo Bolsonaro
Para ele, grupos LGBTs querem criar uma “super raça” e tentam segregar a sociedade
Idade: 30 anos
Partido: PSC/SP
Profissão: policial federal
Candidato a deputado federal

Eduardo estreia na política tendo como principal cabo eleitoral seu pai, o controverso deputado Jair Bolsonaro (PP/RJ), que sustenta o título de um dos maiores opositores à causa LGBT do país. Além deste, Jair tem outros dois filhos que seguiram a mesma trajetória: o candidato a deputado estadual Flávio Bolsonaro (PP/RJ) e ainda Carlos Bolsonaro (PP/RJ), que se tornou, nas eleições de 2000, o mais jovem vereador do Brasil.

Mesmo tendo sido o único a não aderir ao partido do pai, Eduardo não destoa das pautas defendidas pela família e ainda tem como padrinho político o colega de PSC Marco Feliciano, bastante criticado por sua atuação agressiva diante de minorias étnicas e sexuais.

Formado em Direito e inspetor da Polícia Federal, o jovem candidato do PSC tem como principais propostas a redução da maioridade penal, a defesa do agronegócio, da propriedade privada e da liberação do uso de armas para o cidadão comum, além da proibição do ensino da “ideologia de esquerda” nas escolas. Segundo ele, professores utilizam a sala de aula para defender o socialismo e a implantação de regimes totalitários, como parte de uma tentativa de doutrinação política.

Nesse contexto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é, obviamente, rechaçado por Eduardo. “Acreditamos que uma pessoa tem que ser valorizada por seu caráter e competência e não por sua convicção sexual, como propõem os articulados grupos LGBTs, que com essa nova modalidade de imposição de uma ‘super raça’, além de abocanhar milhões de reais de dinheiro público, mais uma vez tentam segregar a sociedade”, afirma.

Ele diz que, por possuir uma formação cristã, vê o assunto sob um ponto de vista diferente. “Eu me posiciono contrário, pois acredito que uma família saudável só pode ser formada por homem e mulher, conforme, inclusive, prevê nossa Constituição”, conclui, reafirmando que o pai é seu maior ídolo e inspiração nessa trajetória política.

lucas-trevizanLucas Trevizan
O candidato do PSC diz que apoiaria caso os militares resolvessem voltar ao poder
Idade: 22 anos
Partido: PSC/SP
Profissão: estudante
Candidato a deputado federal

Lucas Trevizan se considera, antes de tudo, um patriota. Por ter sido militar, defende que o golpe de 1964 foi uma saída para “impedir o comunismo de tornar o Brasil uma franquia de Cuba”. Apesar de ser bastante jovem, com pouco mais de 20 anos, o discurso é antigo. “Meus pais, tios, primos e amigos viveram essa época e nenhum foi preso. Sabe por quê? Eles não frequentavam o covil dos guerrilheiros, não tramavam assaltos, não sequestravam, não mataram civis e militares. Eles estudavam e trabalhavam”, garante.

Assumidamente conservador, Lucas reforça o compromisso com a família tradicional como o maior patrimônio da nação e enfatiza ser parente de um dos líderes da extinta Aliança Renovadora Nacional (Arena), o ex-deputado Sólon Borges dos Reis, já falecido. “Tenho orgulho em dizer que a farda é minha segunda pele. Não há dúvidas de que o regime trouxe avanços para o Brasil. Se não fossem os militares, não seríamos o que somos hoje”, destaca.

Quanto a uma possível volta dos militares ao poder, ele não descarta o seu apoio, caso o país “precise de uma intervenção”. E complementa: “se essa for a vontade do povo”. Ele acredita que o que houve no período da ditadura foi uma exceção e que os livros deturpam a história, colocando os presos políticos como heróis.

Lucas diz não acreditar em um Estado laico porque, segundo ele, temos uma Constituição “promulgada sob a proteção de Deus”. O candidato afirma que a religião tem um papel fundamental na formação do ser humano e não vê equívocos em misturar crenças pessoais com o dia-a-dia de cargos públicos, já que tem como eleitorado o povo cristão e precisa representá-lo. “Religião e política são irmãs gêmeas. Porém, a política é a irmã rebelde”, filosofa.