segunda-feira, 27 de julho de 2020

Tínhamos a Oportunidade de Sermos Referência e Viramos um Desastre

Transmissão do novo coronavírus no Brasil começou em fevereiro ...

Por Gabriela Lotta


Nós tínhamos tudo para sermos uma referência internacional no combate à pandemia.

1) Tínhamos pelo menos três semanas de vantagem para aprender com a experiência internacional e nos preparar com compra de equipamentos, reorganização de serviços, controle de fronteiras.

2) Tínhamos o SUS com mais de 3 milhões de profissionais de saúde, um sistema público, referência internacional, presente em todo território nacional.

3) Tínhamos um programa de atenção básica à saúde altamente capilarizado, com agentes comunitários que moram dentro dos territórios e poderiam fazer estratégias de educação, rastreamento de contatos, acompanhamento de casos.

4) Tínhamos experiência acumulada e reconhecida internacionalmente de combate a emergências, como a Zika e H1N1.

5) Tínhamos um corpo técnico altamente qualificado no ministério da saúde, que realizava uma ação coordenada com estados e municípios, com bons sistemas de monitoramento e processos de tomada de decisão.

6) Tínhamos tudo mas também tínhamos um presidente negacionista que não só não ajudou na pandemia como decidiu atrapalhar prefeitos e governadores que agiram. Que decidiu combater o uso de máscara. Que decidiu propagar soluções mágicas e ineficazes.

7) Tínhamos um presidente que decidiu trocar duas vezes de ministro da saúde durante a pandemia. e na terceira decidiu nem decidir quem assumiria. deixou lá um militar sem experiência na saúde e que persegue técnicos.

8) Tínhamos um ministro militar que usou menos de 28% do orçamento da saúde e governadores e prefeitos que, em grande maioria, não bancaram a onda das medidas impopulares de isolamento social.

9) Tínhamos um presidente que pelo negacionismo e conflito cotidiano conseguiu colocar parte da população contra profissionais da saúde que conseguiu gerar hostilização aos profissionais que são homenageados no país todo.

10) Tínhamos tudo para sermos uma referência internacional no combate à pandemia e viramos um grande desastre.


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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Pandemia: os apocalípticos e os desintegrados

Nos conceitos de Umberto Eco, chaves para entender a crise civilizatória. Há quem aposte que o capitalismo sairá revigorado; para outros, surge uma rede mundial de solidariedade. De material, população ainda mais desassistida pelo Estado.



Algumas reflexões feitas por pesquisadores sobre os efeitos da pandemia da covid-19 têm buscado compreender o momento atual como um momento de ruptura ou de esgotamento do modelo neoliberal vigente desde a queda do muro de Berlim. Como já visto em outros momentos da história, o sistema capitalista sempre foi capaz de apropriar-se de tudo aquilo que os humanos produziram a partir do seu trabalho. Neste sentido, novas apropriações podem passar a existir a partir de agora, sejam elas o espaço privado do professor “uberizado” dentro da sua residência dando aulas virtuais ou as novas formas de entretenimento, que colocam, por exemplo, as “lives” em um patamar de ilusória sociabilidade. Seguindo essa lógica de apropriação de tudo pelo sistema capitalista, é questionável se, de fato, as infraestruturas que estão a serviço de uma indústria do entretenimento, a exemplo de aeroportos, parques, hotéis e restaurantes, se tornarão um investimento morto no futuro pós-pandemia. É possível que, na lógica de uma ressignificação do capital e de suas formas de apropriação, as cidades utilizem aspectos relacionados à higienização, planejamento, ordenamento urbano e uma estrutura de saúde capaz de atender a visitantes como os novos valores de diferenciação das localidades, ou seja, como os ativos simbólicos dos destinos. Não me surpreenderia se as discussões sobre cidade, outrora voltadas para reflexões acerca da cidade da música, da cidade criativa ou da cidade inteligente passassem a apresentar a “cidade-protegida” ou a “cidade-saudável”, como fenômenos sociais contemporâneos. Uma cidade com uma infraestrutura de saúde sólida e mecanismos de controle sobre a saúde dos cidadãos certamente será uma variável para a escolha dos destinos turísticos: “tem o selo de cidade protegida?”

Em seu artigo a Política Anticapitalista em Tempos de Covid-191, David Harvey apresenta as implicações para o sistema capitalista desta crise de abrangência global. O autor aponta questões culturais, políticas e governamentais como decisivas para o aumento da propagação do vírus, que, em um mundo globalizado e de distâncias reduzidas, permitiram uma escalada geográfica sem precedentes. A crise que se iniciou na China teve impactos em cadeias de produção diversas, prejudicando, desde a gigante americana Apple a importantes parceiros comerciais do país asiático, sem distinção. No capitalismo, os insumos e consumidores se desterritorializam e as nações se tornam lugares viáveis ou não para a produção de um chip, uma placa ou uma máscara. As nações, neste contexto, ocupam o lugar de nós de rede da economia global.

O vírus poderá trazer efeitos significativos à economia, desde o encurtamento das cadeias de abastecimento, o aumento de formas de produção menos intensivas em mão de obra (o que geraria desemprego) e maior dependência de sistemas de produção dotados de inteligência artificial. Em outra esfera, a crise tem exposto a precarização das relações de trabalho, sobretudo dos profissionais que estão em uma linha de frente logística, responsáveis pela não interrupção das cadeias de produção e por sustentar uma dinâmica de consumo que permita a determinadas classes sociais receberem produtos em suas casas, mantendo um estado de artificial normalidade. Neste mesmo artigo, Harvey apresenta uma curiosa questão: estaríamos a um passo de nos aproximarmos de uma socialização da economia? Considerando as discussões sobre um “Estado Máximo” e o imperativo fortalecimento de estratégias de proteção e distribuição de renda, essa questão certamente emerge como fundamental nos dias atuais.

Contudo, respondê-la talvez seja um exercício ainda um tanto quanto hipotético, assim como o é supormos quando teremos uma vacina testada, segura e, sobretudo, disponível globalmente. A percepção de esgotamento do modelo capitalista, incapaz de sustentar-se em meio a uma resposta a uma crise de saúde pública, é também trabalhada por Boaventura de Souza Santos em sua mais recente publicação intitulada A Pedagogia do Vírus2. No capítulo em que aborda as primeiras lições aprendidas com a pandemia, o autor apresenta seis lições até agora observadas por ele, das quais destaco a terceira: “Enquanto modelo social, o capitalismo não tem futuro.” Assim como Harvey, Santos coaduna com o seu pensamento, afirmando que “o capitalismo poderá subsistir como um dos modelos econômicos de produção, distribuição e consumo, mas não como único e muito menos como o que dita a lógica da ação do Estado e da sociedade” (SANTOS, 2020).Outros autores também têm se referido ao momento presente como indicativo de um novo modelo de organização da sociedade, como sinal de “uma crise civilizatória” (MAFFESOLI, 2020).

Para além destes aspectos de ressignificação do capitalismo, alguns economistas já tem utilizado o termo “reconversão industrial” ao se referir à necessidade de que seja utilizada a capacidade industrial existente para produzir ventiladores mecânicos, equipamentos médicos e de segurança hospitalar. Como afirmou a economista Monica De Bolle “a reconversão industrial gera empregos, impede a paralisia de fábricas, e permite que a indústria continue a funcionar”. Ou seja, ao invés de carros, é possível que essas indústrias passem a produzir máscaras, ou até mesmo algum outro tipo de dispositivo de alto valor monetário que filtre o ar, e que, com isso, acentue ainda mais as desigualdades sociais. Assim como Byung-Chul Han nos chamou atenção em seu artigo O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã para uma divisão de classes entre aqueles que têm carro e aqueles que não possuem – indicando que aqueles que possuem estariam mais protegidos pela redução do contato/convívio com outras pessoas no ambiente do transporte público – poderíamos estar na iminência de vermos novos produtos de proteção individual surgirem e acirrarem as desigualdades sociais. Estar mais ou menos protegido pode ser o novo fetiche do capital. Um smartphone com uma função capaz de diagnosticar se o seu dono está infectado, ou, no jargão atual do jornalismo, se “testou positivo”, seria uma nova funcionalidade para as versões premium do dispositivo.

Em termos de crença na ciência, por mais paradoxal que esta expressão signifique, temos um contexto de polarização. Poderíamos fazer algumas correlações com ao que nos trouxe Umberto Eco, nos idos de 1970, sobre a existência de “apocalípticos e integrados” em suas discussões acerca da indústria cultural e da cultura de massa. Ele sinalizou, à época, quanto à existência de correntes distintas que veriam a comunicação a partir de um potencial de alienação (apocalípticos) ou de libertação do indivíduo (integrados). A terminologia utilizada sintetizou um debate que remontava os teóricos críticos da Escola de Frankfurt dos anos de 1930 a 1940 (Adorno e Horkheimer) e os Teóricos de Mídia (McLuhan e Innis) dos anos de 1950 a 1960. Se transpusermos a existência também de vieses e perspectivas em relação ao contexto contemporâneo da pandemia, talvez pudéssemos, de forma similar, pensar na existência dos apocalíticos como aqueles que creem numa ruptura brusca dos modos de vida e de organização social a curto e médio prazo e no esfacelamento do modo de vida atual. No outro oposto, teríamos os “integrados”, que acreditariam que um novo modelo de organização social, advindo desta crise civilizatória estaria por sinalizar uma atuação das nações de forma mais solidária, estando estas dispostas à realização de acordos multilaterais e de cooperação em diversas áreas. Este é mais um sintoma de um mundo complexo que, contraditoriamente, tem buscado soluções binárias e polarizadas para a sua compreensão.

Talvez como assertiva possível neste cenário de incertezas, podemos afirmar que estamos ainda no início de um movimento espiral da história e quaisquer conclusões são de fato precipitadas. Contudo, nossa realidade aparentemente pode indicar a presença daqueles aos quais eu chamaria aqui de (des)integrados, fazendo uma alusão à tipificação de Eco. Uma parcela fragmentada de nosso tecido social, ainda mais desassistida em tempos de isolamento social, desconectados das redes de apoio social comunitário e sem o auxílio social do Estado. Uma nova condição de não-integração social cuja marca seria a alienação ainda mais acirrada da sua própria força produtiva.

1 HARVEY, David. Política Anticapitalista Em Tempos De Covid-19. In: DAVIS, Mike, et al: Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos: Brasil, 2020. p 13-23.

2 SANTOS, Boaventura de Sousa A Cruel Pedagogia do Vírus. Lisboa, Grupo Almedina, 2020



sexta-feira, 15 de maio de 2020

Venezuela e Cuba dão exemplo no combate ao coronavírus, diz analista internacional





São Paulo – Apesar dos bloqueios econômicos que estão submetidos pelos Estados Unidos, Venezuela e Cuba têm se destacado no combate à pandemia do coronavírus. Não apenas conseguiram conter a disseminação da doença, como estão ofertando ajuda, com envio de medicamentos, equipamentos e pessoal, em especial para os países da região do Caribe.

Graças às boas relações com a China, a Venezuela recebe diariamente carregamentos com equipamentos, insumos hospitalares e remédios, redistribuindo parte para os países vizinhos. Já Cuba, além de ter desenvolvido o medicamento mais eficaz no combate ao coronavírus – o Interferon –, também tem enviado médico intensivistas, não apenas aos países do Caribe, mas a diversas partes do mundo, inclusive a Itália, um dos mais afetados pela pandemia.

Venezuela

Com o apoio chinês, a Venezuela é o país que lidera, na América Latina, em número de exames para a detecção da covid-19. Até 11 de abril, o país havia realizado 181.335 testes rápidos, enquanto no Brasil o número total de testes sequer é revelado oficialmente.

A partir dos testes em massa, segundo o analista e consultor internacional Amauri Chamorro, o governo venezuelano conseguiu fazer o “cerco epidemiológico” ao coronavírus. Quase metade da população do país, cerca de 12 milhões de pessoas, já foi visitada por profissionais de saúde, que isolam os doentes mais graves e distribuem gratuitamente os medicamentos para os casos mais leves. Há ainda a distribuição de alimentos para evitar que as famílias saiam de casa.

Nos últimos dias, o governo venezuelano anunciou que doaria para a Colômbia dois dos cinco equipamentos chineses que realizam os testes laboratoriais, depois que o único exemplar do país vizinho parou de funcionar. Devido às rivalidades entre os dois países, o governo colombiano se recursou a aceitar.

“Há uma hostilidade terrível dos EUA contra Venezuela, Cuba e Irã. São os três países que mais sofrem com o bloqueio financeiro, porém, os dois primeiros têm um dos melhores indicadores na gestão da epidemia. É impressionante o que esses países conseguiram fazer”, destacou o analista, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta terça-feira (14).

Cuba

Nesta terça (13), 38 médicos e enfermeiros cubanos desembarcaram em Turim, capital do Piemonte, a região mais atingida pela pandemia na Itália. É a segunda delegação de Cuba que chega ao país para reforçar o combate ao coronavírus. A prefeita, Chiara Appendino, pelo Twitter, agradeceu o “extraordinário gesto de generosidade”.

Vivendo sob o embargo imposto pelos Estados Unidos desde 1959, ano da Revolução Cubana, agora são os outros países que buscam formas de burlar o bloqueio econômico à ilha para terem acesso ao Interferon, segundo Chamorro. Segundo ele, é o momento dos demais países e organizações internacionais – como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) – deixarem de se submeter às pressões dos norte-americanos. “Não é mais uma questão política. Estamos falando das vidas de milhões de pessoas.”

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Zizek sobre o coronavírus: Um golpe letal no capitalismo para reinventar a sociedade

Zizek vê o poder subversivo do Coronavírus - Outras Palavras


O popular filósofo Slavoj Zizek, um dos mais fervorosos críticos do sistema capitalista e das “ideologias” sobre as quais se apoia, escreveu uma coluna sobre o coronavírus para o site Russia Today. Zizek aponta que o coronavírus destampou a realidade insustentável de outro vírus que infecta a sociedade: o capitalismo. Enquanto muitas pessoas morrem, a grande preocupação para estadistas e empresários é o golpe para a economia, a recessão, a falta de crescimento do Produto Interno Bruto e coisas desse tipo.

A reportagem é publicada por Pijamasurf, 16-03-2020. A tradução é do Cepat.

Esse colapso econômico se deve ao fato de que a economia se baseia fundamentalmente no consumo e na perseguição de valores defendidos pela visão capitalista, como a riqueza material. Mas não deveria ser assim, não deveria haver uma tirania do mercado. Zizek sugere que o coronavírus também apresenta a oportunidade de tomar consciência dos outros vírus que se espalham pela a sociedade, há muito tempo, e de reinventá-la:

“A atual expansão da epidemia de coronavírus detonou as epidemias de vírus ideológicos latentes em nossas sociedades: notícias falsas, teorias da conspiração paranoicas e explosões de racismo”.

“A bem fundamentada necessidade médica de estabelecer quarentenas fez eco nas pressões ideológicas em estabelecer limites claros e colocar em quarentena os inimigos que representam uma ameaça à nossa identidade. Mas talvez outro - e mais benéfico - vírus ideológico se espalhará e talvez nos infecte: o vírus de pensar em uma sociedade alternativa, uma sociedade para além do Estado-nação, uma sociedade que se atualize como solidariedade global e cooperação”.

Zizek considera que é possível comparar o que está acontecendo com um famoso golpe assassino do filme Kill Bill, conhecido como “a técnica do coração explosivo”, com o qual a pessoa que o recebe ainda pode continuar suas atividades por um tempo, beber uma taça de vinho, ter uma conversa etc., embora logo, inevitavelmente, seu coração explodirá e morrerá: “Minha modesta opinião sobre a realidade é muito mais radical: a epidemia de coronavírus é uma forma especial de ‘técnica do coração explosivo’ no sistema global capitalista, um sintoma de que não podemos continuar no caminho que seguimos até agora, que mudanças são necessárias”.

Zizek observa vários paradoxos. Enquanto o coronavírus nos obriga a nos isolar, também “nos obriga a reinventar o comunismo com base na confiança nas pessoas e na ciência”. O filósofo acredita que é necessária uma nova compreensão do comunismo e que seria necessário, sobretudo, da comunidade.

Outro paradoxo, embora talvez também seja uma espécie de hipérbole trágica - ainda que possivelmente redentora -, é que na era em que o ser humano está mais isolado, agora precisará se isolar ainda mais. No momento em que mais necessita de contato humano real e não meramente virtual, agora parece que o contato físico será um tabu. Contudo, talvez desse isolamento surgirão novos valores e se reafirmará a importância da comunidade, da convivência e da intimidade. O que é inegável é que é um tempo de reflexão, um tempo em que há menos ruído e, portanto, a possibilidade de maior clareza.


Fonte: Revista IHU

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Empregada doméstica na Disney: afinal dólar alto é bom ou ruim para a economia?

Não adianta ter uma taxa de juros mais baixas se toda a "economia" com um menor pagamento de juros de dívida pública brasileira continuar indo para o sistema financeiro - Marcello Casal Jr, / Abr

Por Juliane Furno

Recentemente o ministro da Economia Paulo Guedes proferiu mais uma das suas insensatas declarações. Em primeiro lugar ele assume um tom preconceituoso ao fazer referência às trabalhadoras domésticas, como as que não teriam “direito’ à viagens no exterior.

O que fica claro quando ele se refere a que “até elas” estavam viajando para fora, em um período de dólar desvalorizado com relação ao real, fazendo alusão a que esse lugar de viagens à Disney é de exclusividade de determinados setores sociais, dos quais elas não fazem parte.

Frases como essa exemplificam uma visão conservadora e servilista da sociedade brasileira, como uma herança escravocrata que foi radicalizada com a tardia regulamentação do trabalho doméstico.

Em segundo lugar, o ministro parece desconhecer a realidade da sociedade, uma vez que ele afirma que as trabalhadoras domésticas não viajaram uma, mas duas ou três vezes para a Disney.

Talvez Paulo Guedes não saiba que o rendimento médio das trabalhadoras domésticas em 2014 - por exemplo – era de menos de um salário mínimo mês, o que as impossibilitaria de viajar ao exterior mesmo se tivéssemos paridade cambial com o dólar.

Bom ou ruim para a economia brasileira?

A fala de Paulo Guedes, na retomada dos trabalhados do Congresso Nacional, recoloca um importante debate para a sociedade. Afinal, o dólar alto ou baixo, com relação ao real, é bom ou ruim para a economia brasileira? Incrivelmente o ministro não está de todo errado, embora a taxa de câmbio não seja o único fator que determina a performance de uma economia.

Na época do Plano Real, o ministro da Economia Fernando Henrique Cardoso apostou em um instrumento chamado “âncora cambial”, na qual ele garantia que, por um período, a taxa de câmbio brasileira seria de “1 para 1” ou seja, um dólar valia um real.

Nesse período, parte da classe média brasileira pode realizar seus sonhos cosmopolitas, como ir a Miami e comprar produtos importados. Isso foi bom para o poder de compra da classe média, mas péssimo para o desenvolvimento econômico do país, porque inviabilizou o principal setor portador de fortes efeitos multiplicadores na economia brasileira, que é a indústria.

Valorização do real

Ao valorizar o real – além de comprometer as reservas cambais e ao exigir taxas de juros altas para cobrir os déficits em transações correntes – os produtos importados se tornaram mais baratos, estimulando a compra de mercadorias fora do país, o que fez diversas indústrias e empresas quebrarem nesse período.

No entanto, o dólar alto demais como está agora, também causa problemas econômicos, já que perdemos muitos elos da cadeia produtiva nacional após anos de desindustrialização, o que faz com que qualquer mercadoria brasileira – para ser construída – precisa de peças importadas.

Se o dólar está alto demais, o custo de importação desses componentes será repassado para o preço final, fazendo com que as mercadorias aqui fiquem mais caras. Ou seja, a taxa de câmbio deve ser uma determinação política, que se ligue a nossas necessidades de sermos um país industrial e com competitividade internacional.

Juros baixos

Ocorre, por fim, que o cenário macroeconômico atual, com dólar mais apreciado e juros mais baixos não funcionam como “toque de mágica”. Ainda que mesmo a literatura econômica heterodoxa pregue esse binômio, ele – sozinho – não é capaz de resolver os graves problemas atuais.

Não adianta ter uma taxa de juros mais baixas se toda a "economia" com um menor pagamento de juros de dívida pública brasileira continuar indo para o sistema financeiro.

A PEC do teto dos gastos limitou o gasto primário do governo (saúde, educação etc...) à variação da inflação do ano anterior, mas - curiosamente - disse que o gasto financeiro pode crescer sem constrangimentos. Ou seja, a "economia" que estamos fazendo com pagamentos de juros mais baixas está indo para enriquecer o próprio sistema financeiro, não resultando em nenhuma melhoria para a sociedade brasileira.

Por outro lado, também não adianta uma taxa de juros baixas se o crédito ao consumidor final – o chamado Spread bancário – continua tão alto quanto antes. Isso só serve para enriquecer os bolsos dos capitalistas do sistema financeiro.

Política industrial

Além disso, não adianta um dólar mais alto – teoricamente favorável à industria – se o governo Bolsonaro não deu prosseguimento a nenhuma política industrial. Assistimos, recentemente, a uma queda de 1,1% na indústria brasileira, sem contar que já estávamos em uma base industrial extremamente frágil, o que faz esse índice ser ainda mais significativo e atestar um processo de reprimarização da nossa economia.

Nem adianta um dólar competitivo se estamos destruindo um dos principais sustentáculos da indústria nacional que é o crédito barato, via BNDES.

Em síntese, para ser uma fórmula de condução do desenvolvimento econômico, a relação juros baixos e câmbio apreciado só funciona dentro de uma política de desenvolvimento nacional, que estimule a demanda agregada, a transferência de renda, o mercado interno e com mecanismos de desenvolvimento da indústria brasileira.