A mobilização de Junho de 2013 é um dos componentes que motivou a ida da direita às ruas no ano seguinte. Créditos: Maria Objetiva/Creative Commons. |
Por Alexandre Haubrich
Junho de 2013 trouxe à tona a insatisfação e deu a ideia: para se alcançar algo, é preciso se movimentar. 2013 passou, a Copa passou, e 2014 vai acabando com um país onde a água esquentando e formando suas primeiras bolhas de fervura é a imagem mais próxima de descrever as ruas. De um lado, movimentos populares em luta por direitos, o MTST de pé, os sindicatos se reorganizando, os negros em marcha, a população de rua mostrando a cara de quem quer direitos, o meio sindical em reorganização. De outro lado, a direita também vai às ruas, brigando por sua parcela do legado de Junho – sim, ela também estava lá – e unificada em torno de duas insígnias: Fora Dilma. Fora PT. Ao mesmo tempo, ao centro do espectro político se coloca um governo federal reeleito com pequena margem, e um PT que, pressionado por uma eleição difícil, pela mídia dominante e pela Operação Lava Jato – e a narrativa construída sobre ela – parece não saber ao certo para que lado pender. Com a militância petista falando em guinada à esquerda e com Kátia Abreu no Ministério da Agricultura, 2014 vai terminando e um difícil 2015 se anuncia.
Há um claro crescimento das manifestações de rua do setor da direita – organizada ou não – que pede às vezes impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), às vezes anulação da última eleição presidencial, às vezes o que chama de “intervenção militar”, eufemismo para golpe militar e uma nova ditadura. Até o momento não há um movimento verdadeiramente amplo nesse sentido, mas há um crescimento de fato.
A mídia dominante, por enquanto, não comprou abertamente esse discurso, mas enche capas de jornais e portais com os rescaldos da Operação Lava Jato, empurrando a pauta até o seu limite e mantendo-a com grande destaque mesmo quando não há notícias relevantes a respeito; e, ao mesmo tempo, vai trazendo editoriais e colunas que sugerem o impeachment. Há poucos dias, editorial do jornal Zero Hora, do Grupo RBS, sob o lema “Chega de corrupção, chega de impunidade”, desacreditou a potencialidade da Presidência da República e do Congresso Nacional para levar ao fim as investigações e punições necessárias. Antes disso, o Estadão pedia, em editorial que atacava Dilma e Lula, que “todos os envolvidos” paguem “pelo que fizeram – ou não fizeram”, sugerindo “crime de responsabilidade”. Enquanto isso, lideranças midiáticas dos manifestantes da direita – como o músico Lobão – seguem pela mesma linha, e rechaçam a ideia de golpe. Aparece como estratégia para reduzir a rejeição aos protestos e buscar mais apoiadores entre os setores médios da população. É esse setor, pouco politizado, que irá definir os rumos dessas movimentações.
Os protestos da direita têm características claras: além da mídia oligárquica, há novas e antigas lideranças da direita à frente. Timidamente, os partidos mais reacionários do país também se somam às fileiras, assim como figuras de destaque em partidos da própria base do governo, como o deputado do PP Jair Bolsonaro. Aloysio Nunes, senador do PSDB e ex-candidato à vice-presidência na chapa de Aécio Neves, é outro que tem participado dos atos. Além dessas lideranças, dotadas de uma consciência complexa do que estão fazendo, há uma grande massa de manobra com uma compreensão muito limitada do sistema político, da dinâmica social e da realidade da política e da população brasileira. Influenciados pela mídia hegemônica e/ou por um desejo disperso de mudança, setores da classe média e até alguns personagens das classes populares, atuando contra os próprios interesses pessoais e de classe, encorpam as manifestações. A classe média ali presente ignora quase completamente o que a rodeia. Os oprimidos que dispõem de suas vozes para esse tipo de manifestação fazem isso por uma compreensão apenas superficial da própria situação e/ou por não enxergar alternativas palpáveis que de fato poderiam melhorar sua situação. Junto a eles, as elites do país enxergam uma oportunidade de voltar diretamente ao poder. Se é verdade que com o PT essas elites nunca estiveram de fato alijadas do poder, também é verdade que mantêm o desejo de governar sem intermediários e sem as contradições colocadas em um partido com o histórico de luta que o PT construiu – embora o tenha, em grande medida, abandonado.
Esse processo é fruto de três situações fundamentais: a ideia de mobilização de Junho, o tensionamento da eleição presidencial, e as dificuldades (internas e externas) enfrentadas pela esquerda para se colocar como alternativa viável a um governo de centro.
Pressionado por uma vitória apertada, por um Congresso ainda mais conservador e por uma militância que esteve nos últimos anos afastada das ruas e em processo de burocratização, o PT tem uma escolha a fazer: ou vai mais à direita para aplacar os ânimos e aprofunda a aliança com os velhos donos do país; ou vai à esquerda, aliando-se aos novos movimentos populares, reaproximando-se de sua própria base, e levando as mudanças do país a um novo patamar, que não se restrinja mais apenas a acréscimos de consumo.
Por parte da esquerda, se colocam como dificuldades a histórica divisão interna; a pouca penetração popular; as contradições e paradoxos envolvidos na dura tarefa de criticar um governo de centro sem colocar-se ao lado da direita; e a própria institucionalidade brasileira, que apresenta sistemas político e midiático que criam imensos obstáculos a transformações progressistas e vinculadas aos interesses populares. Encontrar seu lugar no espectro político; acelerar o processo nascente de reorganização dos movimentos populares, sindicatos e partidos; qualificar a formação política de forma a vencer o sectarismo; e aprofundar o trabalho de base e o enraizamento social são os desafios que precisam ser enfrentados pela esquerda e pelas forças populares. Apenas assim será possível enfrentar a direita nas ruas, impedir o golpismo – militar ou civil – e evitar uma guinada do governo que o leve ainda mais à direita, empurrando-o à esquerda e reforçando a luta pelas duas mudanças mais urgentes ao avanço da democracia brasileira: a reforma política e a democratização da mídia.
Fonte: Revista O Viés