segunda-feira, 27 de julho de 2020

Tínhamos a Oportunidade de Sermos Referência e Viramos um Desastre

Transmissão do novo coronavírus no Brasil começou em fevereiro ...

Por Gabriela Lotta


Nós tínhamos tudo para sermos uma referência internacional no combate à pandemia.

1) Tínhamos pelo menos três semanas de vantagem para aprender com a experiência internacional e nos preparar com compra de equipamentos, reorganização de serviços, controle de fronteiras.

2) Tínhamos o SUS com mais de 3 milhões de profissionais de saúde, um sistema público, referência internacional, presente em todo território nacional.

3) Tínhamos um programa de atenção básica à saúde altamente capilarizado, com agentes comunitários que moram dentro dos territórios e poderiam fazer estratégias de educação, rastreamento de contatos, acompanhamento de casos.

4) Tínhamos experiência acumulada e reconhecida internacionalmente de combate a emergências, como a Zika e H1N1.

5) Tínhamos um corpo técnico altamente qualificado no ministério da saúde, que realizava uma ação coordenada com estados e municípios, com bons sistemas de monitoramento e processos de tomada de decisão.

6) Tínhamos tudo mas também tínhamos um presidente negacionista que não só não ajudou na pandemia como decidiu atrapalhar prefeitos e governadores que agiram. Que decidiu combater o uso de máscara. Que decidiu propagar soluções mágicas e ineficazes.

7) Tínhamos um presidente que decidiu trocar duas vezes de ministro da saúde durante a pandemia. e na terceira decidiu nem decidir quem assumiria. deixou lá um militar sem experiência na saúde e que persegue técnicos.

8) Tínhamos um ministro militar que usou menos de 28% do orçamento da saúde e governadores e prefeitos que, em grande maioria, não bancaram a onda das medidas impopulares de isolamento social.

9) Tínhamos um presidente que pelo negacionismo e conflito cotidiano conseguiu colocar parte da população contra profissionais da saúde que conseguiu gerar hostilização aos profissionais que são homenageados no país todo.

10) Tínhamos tudo para sermos uma referência internacional no combate à pandemia e viramos um grande desastre.


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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Pandemia: os apocalípticos e os desintegrados

Nos conceitos de Umberto Eco, chaves para entender a crise civilizatória. Há quem aposte que o capitalismo sairá revigorado; para outros, surge uma rede mundial de solidariedade. De material, população ainda mais desassistida pelo Estado.



Algumas reflexões feitas por pesquisadores sobre os efeitos da pandemia da covid-19 têm buscado compreender o momento atual como um momento de ruptura ou de esgotamento do modelo neoliberal vigente desde a queda do muro de Berlim. Como já visto em outros momentos da história, o sistema capitalista sempre foi capaz de apropriar-se de tudo aquilo que os humanos produziram a partir do seu trabalho. Neste sentido, novas apropriações podem passar a existir a partir de agora, sejam elas o espaço privado do professor “uberizado” dentro da sua residência dando aulas virtuais ou as novas formas de entretenimento, que colocam, por exemplo, as “lives” em um patamar de ilusória sociabilidade. Seguindo essa lógica de apropriação de tudo pelo sistema capitalista, é questionável se, de fato, as infraestruturas que estão a serviço de uma indústria do entretenimento, a exemplo de aeroportos, parques, hotéis e restaurantes, se tornarão um investimento morto no futuro pós-pandemia. É possível que, na lógica de uma ressignificação do capital e de suas formas de apropriação, as cidades utilizem aspectos relacionados à higienização, planejamento, ordenamento urbano e uma estrutura de saúde capaz de atender a visitantes como os novos valores de diferenciação das localidades, ou seja, como os ativos simbólicos dos destinos. Não me surpreenderia se as discussões sobre cidade, outrora voltadas para reflexões acerca da cidade da música, da cidade criativa ou da cidade inteligente passassem a apresentar a “cidade-protegida” ou a “cidade-saudável”, como fenômenos sociais contemporâneos. Uma cidade com uma infraestrutura de saúde sólida e mecanismos de controle sobre a saúde dos cidadãos certamente será uma variável para a escolha dos destinos turísticos: “tem o selo de cidade protegida?”

Em seu artigo a Política Anticapitalista em Tempos de Covid-191, David Harvey apresenta as implicações para o sistema capitalista desta crise de abrangência global. O autor aponta questões culturais, políticas e governamentais como decisivas para o aumento da propagação do vírus, que, em um mundo globalizado e de distâncias reduzidas, permitiram uma escalada geográfica sem precedentes. A crise que se iniciou na China teve impactos em cadeias de produção diversas, prejudicando, desde a gigante americana Apple a importantes parceiros comerciais do país asiático, sem distinção. No capitalismo, os insumos e consumidores se desterritorializam e as nações se tornam lugares viáveis ou não para a produção de um chip, uma placa ou uma máscara. As nações, neste contexto, ocupam o lugar de nós de rede da economia global.

O vírus poderá trazer efeitos significativos à economia, desde o encurtamento das cadeias de abastecimento, o aumento de formas de produção menos intensivas em mão de obra (o que geraria desemprego) e maior dependência de sistemas de produção dotados de inteligência artificial. Em outra esfera, a crise tem exposto a precarização das relações de trabalho, sobretudo dos profissionais que estão em uma linha de frente logística, responsáveis pela não interrupção das cadeias de produção e por sustentar uma dinâmica de consumo que permita a determinadas classes sociais receberem produtos em suas casas, mantendo um estado de artificial normalidade. Neste mesmo artigo, Harvey apresenta uma curiosa questão: estaríamos a um passo de nos aproximarmos de uma socialização da economia? Considerando as discussões sobre um “Estado Máximo” e o imperativo fortalecimento de estratégias de proteção e distribuição de renda, essa questão certamente emerge como fundamental nos dias atuais.

Contudo, respondê-la talvez seja um exercício ainda um tanto quanto hipotético, assim como o é supormos quando teremos uma vacina testada, segura e, sobretudo, disponível globalmente. A percepção de esgotamento do modelo capitalista, incapaz de sustentar-se em meio a uma resposta a uma crise de saúde pública, é também trabalhada por Boaventura de Souza Santos em sua mais recente publicação intitulada A Pedagogia do Vírus2. No capítulo em que aborda as primeiras lições aprendidas com a pandemia, o autor apresenta seis lições até agora observadas por ele, das quais destaco a terceira: “Enquanto modelo social, o capitalismo não tem futuro.” Assim como Harvey, Santos coaduna com o seu pensamento, afirmando que “o capitalismo poderá subsistir como um dos modelos econômicos de produção, distribuição e consumo, mas não como único e muito menos como o que dita a lógica da ação do Estado e da sociedade” (SANTOS, 2020).Outros autores também têm se referido ao momento presente como indicativo de um novo modelo de organização da sociedade, como sinal de “uma crise civilizatória” (MAFFESOLI, 2020).

Para além destes aspectos de ressignificação do capitalismo, alguns economistas já tem utilizado o termo “reconversão industrial” ao se referir à necessidade de que seja utilizada a capacidade industrial existente para produzir ventiladores mecânicos, equipamentos médicos e de segurança hospitalar. Como afirmou a economista Monica De Bolle “a reconversão industrial gera empregos, impede a paralisia de fábricas, e permite que a indústria continue a funcionar”. Ou seja, ao invés de carros, é possível que essas indústrias passem a produzir máscaras, ou até mesmo algum outro tipo de dispositivo de alto valor monetário que filtre o ar, e que, com isso, acentue ainda mais as desigualdades sociais. Assim como Byung-Chul Han nos chamou atenção em seu artigo O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã para uma divisão de classes entre aqueles que têm carro e aqueles que não possuem – indicando que aqueles que possuem estariam mais protegidos pela redução do contato/convívio com outras pessoas no ambiente do transporte público – poderíamos estar na iminência de vermos novos produtos de proteção individual surgirem e acirrarem as desigualdades sociais. Estar mais ou menos protegido pode ser o novo fetiche do capital. Um smartphone com uma função capaz de diagnosticar se o seu dono está infectado, ou, no jargão atual do jornalismo, se “testou positivo”, seria uma nova funcionalidade para as versões premium do dispositivo.

Em termos de crença na ciência, por mais paradoxal que esta expressão signifique, temos um contexto de polarização. Poderíamos fazer algumas correlações com ao que nos trouxe Umberto Eco, nos idos de 1970, sobre a existência de “apocalípticos e integrados” em suas discussões acerca da indústria cultural e da cultura de massa. Ele sinalizou, à época, quanto à existência de correntes distintas que veriam a comunicação a partir de um potencial de alienação (apocalípticos) ou de libertação do indivíduo (integrados). A terminologia utilizada sintetizou um debate que remontava os teóricos críticos da Escola de Frankfurt dos anos de 1930 a 1940 (Adorno e Horkheimer) e os Teóricos de Mídia (McLuhan e Innis) dos anos de 1950 a 1960. Se transpusermos a existência também de vieses e perspectivas em relação ao contexto contemporâneo da pandemia, talvez pudéssemos, de forma similar, pensar na existência dos apocalíticos como aqueles que creem numa ruptura brusca dos modos de vida e de organização social a curto e médio prazo e no esfacelamento do modo de vida atual. No outro oposto, teríamos os “integrados”, que acreditariam que um novo modelo de organização social, advindo desta crise civilizatória estaria por sinalizar uma atuação das nações de forma mais solidária, estando estas dispostas à realização de acordos multilaterais e de cooperação em diversas áreas. Este é mais um sintoma de um mundo complexo que, contraditoriamente, tem buscado soluções binárias e polarizadas para a sua compreensão.

Talvez como assertiva possível neste cenário de incertezas, podemos afirmar que estamos ainda no início de um movimento espiral da história e quaisquer conclusões são de fato precipitadas. Contudo, nossa realidade aparentemente pode indicar a presença daqueles aos quais eu chamaria aqui de (des)integrados, fazendo uma alusão à tipificação de Eco. Uma parcela fragmentada de nosso tecido social, ainda mais desassistida em tempos de isolamento social, desconectados das redes de apoio social comunitário e sem o auxílio social do Estado. Uma nova condição de não-integração social cuja marca seria a alienação ainda mais acirrada da sua própria força produtiva.

1 HARVEY, David. Política Anticapitalista Em Tempos De Covid-19. In: DAVIS, Mike, et al: Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos: Brasil, 2020. p 13-23.

2 SANTOS, Boaventura de Sousa A Cruel Pedagogia do Vírus. Lisboa, Grupo Almedina, 2020



sexta-feira, 15 de maio de 2020

Venezuela e Cuba dão exemplo no combate ao coronavírus, diz analista internacional





São Paulo – Apesar dos bloqueios econômicos que estão submetidos pelos Estados Unidos, Venezuela e Cuba têm se destacado no combate à pandemia do coronavírus. Não apenas conseguiram conter a disseminação da doença, como estão ofertando ajuda, com envio de medicamentos, equipamentos e pessoal, em especial para os países da região do Caribe.

Graças às boas relações com a China, a Venezuela recebe diariamente carregamentos com equipamentos, insumos hospitalares e remédios, redistribuindo parte para os países vizinhos. Já Cuba, além de ter desenvolvido o medicamento mais eficaz no combate ao coronavírus – o Interferon –, também tem enviado médico intensivistas, não apenas aos países do Caribe, mas a diversas partes do mundo, inclusive a Itália, um dos mais afetados pela pandemia.

Venezuela

Com o apoio chinês, a Venezuela é o país que lidera, na América Latina, em número de exames para a detecção da covid-19. Até 11 de abril, o país havia realizado 181.335 testes rápidos, enquanto no Brasil o número total de testes sequer é revelado oficialmente.

A partir dos testes em massa, segundo o analista e consultor internacional Amauri Chamorro, o governo venezuelano conseguiu fazer o “cerco epidemiológico” ao coronavírus. Quase metade da população do país, cerca de 12 milhões de pessoas, já foi visitada por profissionais de saúde, que isolam os doentes mais graves e distribuem gratuitamente os medicamentos para os casos mais leves. Há ainda a distribuição de alimentos para evitar que as famílias saiam de casa.

Nos últimos dias, o governo venezuelano anunciou que doaria para a Colômbia dois dos cinco equipamentos chineses que realizam os testes laboratoriais, depois que o único exemplar do país vizinho parou de funcionar. Devido às rivalidades entre os dois países, o governo colombiano se recursou a aceitar.

“Há uma hostilidade terrível dos EUA contra Venezuela, Cuba e Irã. São os três países que mais sofrem com o bloqueio financeiro, porém, os dois primeiros têm um dos melhores indicadores na gestão da epidemia. É impressionante o que esses países conseguiram fazer”, destacou o analista, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta terça-feira (14).

Cuba

Nesta terça (13), 38 médicos e enfermeiros cubanos desembarcaram em Turim, capital do Piemonte, a região mais atingida pela pandemia na Itália. É a segunda delegação de Cuba que chega ao país para reforçar o combate ao coronavírus. A prefeita, Chiara Appendino, pelo Twitter, agradeceu o “extraordinário gesto de generosidade”.

Vivendo sob o embargo imposto pelos Estados Unidos desde 1959, ano da Revolução Cubana, agora são os outros países que buscam formas de burlar o bloqueio econômico à ilha para terem acesso ao Interferon, segundo Chamorro. Segundo ele, é o momento dos demais países e organizações internacionais – como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) – deixarem de se submeter às pressões dos norte-americanos. “Não é mais uma questão política. Estamos falando das vidas de milhões de pessoas.”

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Zizek sobre o coronavírus: Um golpe letal no capitalismo para reinventar a sociedade

Zizek vê o poder subversivo do Coronavírus - Outras Palavras


O popular filósofo Slavoj Zizek, um dos mais fervorosos críticos do sistema capitalista e das “ideologias” sobre as quais se apoia, escreveu uma coluna sobre o coronavírus para o site Russia Today. Zizek aponta que o coronavírus destampou a realidade insustentável de outro vírus que infecta a sociedade: o capitalismo. Enquanto muitas pessoas morrem, a grande preocupação para estadistas e empresários é o golpe para a economia, a recessão, a falta de crescimento do Produto Interno Bruto e coisas desse tipo.

A reportagem é publicada por Pijamasurf, 16-03-2020. A tradução é do Cepat.

Esse colapso econômico se deve ao fato de que a economia se baseia fundamentalmente no consumo e na perseguição de valores defendidos pela visão capitalista, como a riqueza material. Mas não deveria ser assim, não deveria haver uma tirania do mercado. Zizek sugere que o coronavírus também apresenta a oportunidade de tomar consciência dos outros vírus que se espalham pela a sociedade, há muito tempo, e de reinventá-la:

“A atual expansão da epidemia de coronavírus detonou as epidemias de vírus ideológicos latentes em nossas sociedades: notícias falsas, teorias da conspiração paranoicas e explosões de racismo”.

“A bem fundamentada necessidade médica de estabelecer quarentenas fez eco nas pressões ideológicas em estabelecer limites claros e colocar em quarentena os inimigos que representam uma ameaça à nossa identidade. Mas talvez outro - e mais benéfico - vírus ideológico se espalhará e talvez nos infecte: o vírus de pensar em uma sociedade alternativa, uma sociedade para além do Estado-nação, uma sociedade que se atualize como solidariedade global e cooperação”.

Zizek considera que é possível comparar o que está acontecendo com um famoso golpe assassino do filme Kill Bill, conhecido como “a técnica do coração explosivo”, com o qual a pessoa que o recebe ainda pode continuar suas atividades por um tempo, beber uma taça de vinho, ter uma conversa etc., embora logo, inevitavelmente, seu coração explodirá e morrerá: “Minha modesta opinião sobre a realidade é muito mais radical: a epidemia de coronavírus é uma forma especial de ‘técnica do coração explosivo’ no sistema global capitalista, um sintoma de que não podemos continuar no caminho que seguimos até agora, que mudanças são necessárias”.

Zizek observa vários paradoxos. Enquanto o coronavírus nos obriga a nos isolar, também “nos obriga a reinventar o comunismo com base na confiança nas pessoas e na ciência”. O filósofo acredita que é necessária uma nova compreensão do comunismo e que seria necessário, sobretudo, da comunidade.

Outro paradoxo, embora talvez também seja uma espécie de hipérbole trágica - ainda que possivelmente redentora -, é que na era em que o ser humano está mais isolado, agora precisará se isolar ainda mais. No momento em que mais necessita de contato humano real e não meramente virtual, agora parece que o contato físico será um tabu. Contudo, talvez desse isolamento surgirão novos valores e se reafirmará a importância da comunidade, da convivência e da intimidade. O que é inegável é que é um tempo de reflexão, um tempo em que há menos ruído e, portanto, a possibilidade de maior clareza.


Fonte: Revista IHU

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Empregada doméstica na Disney: afinal dólar alto é bom ou ruim para a economia?

Não adianta ter uma taxa de juros mais baixas se toda a "economia" com um menor pagamento de juros de dívida pública brasileira continuar indo para o sistema financeiro - Marcello Casal Jr, / Abr

Por Juliane Furno

Recentemente o ministro da Economia Paulo Guedes proferiu mais uma das suas insensatas declarações. Em primeiro lugar ele assume um tom preconceituoso ao fazer referência às trabalhadoras domésticas, como as que não teriam “direito’ à viagens no exterior.

O que fica claro quando ele se refere a que “até elas” estavam viajando para fora, em um período de dólar desvalorizado com relação ao real, fazendo alusão a que esse lugar de viagens à Disney é de exclusividade de determinados setores sociais, dos quais elas não fazem parte.

Frases como essa exemplificam uma visão conservadora e servilista da sociedade brasileira, como uma herança escravocrata que foi radicalizada com a tardia regulamentação do trabalho doméstico.

Em segundo lugar, o ministro parece desconhecer a realidade da sociedade, uma vez que ele afirma que as trabalhadoras domésticas não viajaram uma, mas duas ou três vezes para a Disney.

Talvez Paulo Guedes não saiba que o rendimento médio das trabalhadoras domésticas em 2014 - por exemplo – era de menos de um salário mínimo mês, o que as impossibilitaria de viajar ao exterior mesmo se tivéssemos paridade cambial com o dólar.

Bom ou ruim para a economia brasileira?

A fala de Paulo Guedes, na retomada dos trabalhados do Congresso Nacional, recoloca um importante debate para a sociedade. Afinal, o dólar alto ou baixo, com relação ao real, é bom ou ruim para a economia brasileira? Incrivelmente o ministro não está de todo errado, embora a taxa de câmbio não seja o único fator que determina a performance de uma economia.

Na época do Plano Real, o ministro da Economia Fernando Henrique Cardoso apostou em um instrumento chamado “âncora cambial”, na qual ele garantia que, por um período, a taxa de câmbio brasileira seria de “1 para 1” ou seja, um dólar valia um real.

Nesse período, parte da classe média brasileira pode realizar seus sonhos cosmopolitas, como ir a Miami e comprar produtos importados. Isso foi bom para o poder de compra da classe média, mas péssimo para o desenvolvimento econômico do país, porque inviabilizou o principal setor portador de fortes efeitos multiplicadores na economia brasileira, que é a indústria.

Valorização do real

Ao valorizar o real – além de comprometer as reservas cambais e ao exigir taxas de juros altas para cobrir os déficits em transações correntes – os produtos importados se tornaram mais baratos, estimulando a compra de mercadorias fora do país, o que fez diversas indústrias e empresas quebrarem nesse período.

No entanto, o dólar alto demais como está agora, também causa problemas econômicos, já que perdemos muitos elos da cadeia produtiva nacional após anos de desindustrialização, o que faz com que qualquer mercadoria brasileira – para ser construída – precisa de peças importadas.

Se o dólar está alto demais, o custo de importação desses componentes será repassado para o preço final, fazendo com que as mercadorias aqui fiquem mais caras. Ou seja, a taxa de câmbio deve ser uma determinação política, que se ligue a nossas necessidades de sermos um país industrial e com competitividade internacional.

Juros baixos

Ocorre, por fim, que o cenário macroeconômico atual, com dólar mais apreciado e juros mais baixos não funcionam como “toque de mágica”. Ainda que mesmo a literatura econômica heterodoxa pregue esse binômio, ele – sozinho – não é capaz de resolver os graves problemas atuais.

Não adianta ter uma taxa de juros mais baixas se toda a "economia" com um menor pagamento de juros de dívida pública brasileira continuar indo para o sistema financeiro.

A PEC do teto dos gastos limitou o gasto primário do governo (saúde, educação etc...) à variação da inflação do ano anterior, mas - curiosamente - disse que o gasto financeiro pode crescer sem constrangimentos. Ou seja, a "economia" que estamos fazendo com pagamentos de juros mais baixas está indo para enriquecer o próprio sistema financeiro, não resultando em nenhuma melhoria para a sociedade brasileira.

Por outro lado, também não adianta uma taxa de juros baixas se o crédito ao consumidor final – o chamado Spread bancário – continua tão alto quanto antes. Isso só serve para enriquecer os bolsos dos capitalistas do sistema financeiro.

Política industrial

Além disso, não adianta um dólar mais alto – teoricamente favorável à industria – se o governo Bolsonaro não deu prosseguimento a nenhuma política industrial. Assistimos, recentemente, a uma queda de 1,1% na indústria brasileira, sem contar que já estávamos em uma base industrial extremamente frágil, o que faz esse índice ser ainda mais significativo e atestar um processo de reprimarização da nossa economia.

Nem adianta um dólar competitivo se estamos destruindo um dos principais sustentáculos da indústria nacional que é o crédito barato, via BNDES.

Em síntese, para ser uma fórmula de condução do desenvolvimento econômico, a relação juros baixos e câmbio apreciado só funciona dentro de uma política de desenvolvimento nacional, que estimule a demanda agregada, a transferência de renda, o mercado interno e com mecanismos de desenvolvimento da indústria brasileira.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

"Eu, Daniel Blake" - Download do Filme

"Ouve-se dizer que a ciência está atualmente submetida a imperativos de rentabilidade econômica; na verdade sempre foi assim. O que é novo é que a economia venha a fazer abertamente guerra aos humanos; já não somente quanto às possibilidades da sua vida, como também às da sua sobrevivência."
(Guy Debord, Comentários sobre a Sociedade do Espetáculo)

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O mais recente filme do cineasta britânico Ken Loach nos faz sair do cinema com um nó na garganta. Quem já conhece seu trabalho, sabe o que esperar: personagens do povo, enfrentando as agruras de uma vida com pouco dinheiro, mas com singularidades humanas inequívocas. Assim também é "Eu, Daniel Blake". E ainda que, por vezes, o espectador já adivinhe alguns desenvolvimentos posteriores do roteiro, o filme resulta em uma obra extremamente comovente.

Vamos à sinopse: um carpinteiro com problemas cardíacos, apesar de ser aconselhado a temporariamente afastar-se de suas atividades profissionais, é considerado apto para o trabalho pelo sistema de seguridade social do Estado Britânico. Às voltas com a burocracia para conseguir reverter esse engano e receber a sua pensão temporária, o protagonista depara-se com uma jovem mãe solteira que também sofre com o atendimento a ela dispensado pelo governo. Esse é o ponto de partida para a amizade de Daniel, Katie e seus filhos. E para sabermos como lutarão pela sobrevivência a partir daí.

Para o público brasileiro, "Eu, Daniel Blake" tem o atrativo extra de nos fazer entrar em contato com algumas especificidades do sistema de amparo social britânico, ainda que dramaticamente entremos em contato justamente com a sua derrocada. Após o fim da "Era Blair", o mandato de primeiros-ministros do Partido Conservador passou a privilegiar uma agenda de "austeridade", que corta ou dificulta a obtenção de benefícios. Segundo matéria da BBC, em 2013 as economias conseguidas com esse expediente mostraram-se pífias, enquanto o seu impacto no empobrecimento da população já se fazia sentir de maneira pronunciada.

Desde as primeiras falas, que surgem ainda quando os créditos iniciais do filme estão na tela, constrói-se para o espectador o núcleo implícito da história: após anos de trabalho e de pagamentos compulsórios de taxas e impostos que garantiriam sua sobrevivência, Daniel Blake está sozinho. O sistema de valores no qual ele foi formado e no qual acredita simplesmente não existe mais. Ao ficar incapacitado temporariamente para o trabalho, ele tenta manter sua dignidade e apelar aos seus direitos. No entanto, debate-se com uma situação na qual passa a ser visto como um fardo para a sociedade e cujo comportamento desviante precisa ser corrigido. Tudo seria mais fácil se ele humildemente compreendesse isso. Mas ele quer justiça e busca o que é seu por direito. A sua saga, porém, não fala apenas de luta. Talvez a parte mais tocante do filme seja aquela que entrelaça toda a questão política com a importância da solidariedade.

Uma das cenas mais sutis do filme, que não diz respeito à relação franca e generosa que Blake tem com seus vizinhos e conhecidos, é quando ele é obrigado a assistir a uma aula de como formatar o currículo para conseguir manter seu seguro desemprego. Diante de um grupo de pessoas absolutamente perdidas na ausência de perspectivas profissionais, o professor marca no quadro uma frase: "é preciso destacar-se da multidão". Esse recurso de alguma forma explica as dificuldades enfrentadas pelo carpinteiro. Ele se debate com um sistema cultural e político que privilegia uma ideia central: alguns devem perecer para que alguns poucos se destaquem. E os fracassados são algo a se deixar para trás sem dó nem pena. Pior ainda, o fracasso parece ser contagioso. Olhar demoradamente, sentir empatia por alguém que sofre parece conter a ameaça de tornar esse observador, também ele, um sofredor.

A possibilidade de solidariedade fica assim interditada, a noção de cidadania se esvanece, a preocupação com o bem coletivo passa a ser considerada uma ameaça à Economia. Tudo isso se desenha no filme. E para o espectador mais inquieto, também ecoa uma pergunta que não foi feita diretamente no roteiro: a quem isso interessa?



Trailer:

Clique no link para baixar o filme legendado via Torrent: Eu, Daniel Blake

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Assim o Facebook te espia, entende e vende



Plataforma analisa cada vez mais as emoções das pessoas para direcionar publicações — inclusive com técnicas de reconhecimento facial. Rentável para anunciantes, aposta é “prender” usuários na plataforma em troca de migalhas de felicidade

Por Ethel Rudnitzki e Rafael Oliveira

“O Facebook ajuda você a se conectar e compartilhar com as pessoas que fazem parte da sua vida.” É essa mensagem que aparece na sua tela ao se fazer o login na rede social – ou antes de criar a sua conta, se você não for um dos 130 milhões de brasileiros que usam o Facebook.

Mas, além de se conectar com amigos e família, ao criar uma conta ou logar na plataforma, você está compartilhando suas informações com a empresa. O uso dos dados pessoais sempre esteve descrito nos Termos de Utilização e na Política de Dados – para quem tivesse paciência de lê-los. Mas a extensão e as consequências desse uso só começaram a vir à tona com o escândalo da empresa Cambridge Analytica, que mostrou como dados de usuários do Facebook foram usados na segmentação de anúncios para a campanha eleitoral de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

Um estudo inédito da pesquisadora Débora Machado, da Universidade Federal do ABC (UFABC), revela que o uso de informações pessoais pode ir além. O Facebook tem tecnologias suficientes para saber o que estamos sentindo em cada momento que logamos na plataforma. E mais: a partir disso, pode moldar as nossas emoções em benefício próprio.

A pesquisadora buscou patentes e pedidos de patente registrados pela Facebook Inc. nos Estados Unidos entre 2014 e 2018, encontrando quase 4.000. Entre elas, refinou a pesquisa para aquelas que só diziam respeito à rede social e depois selecionou 39 com potencial de modulação do comportamento do usuário. Destas, cerca de 15% tinham a análise de emoções como parte fundamental do funcionamento – vale lembrar que nem todas se tornaram patentes de fato. “Por mais que aquela tecnologia não esteja sendo utilizada, ou não vá ser utilizada, aquele é um conhecimento que a empresa adquiriu”, explica Débora.

Durante um mês, a Pública analisou algumas patentes sobre modulação de comportamento e adaptação do conteúdo apresentado no feed de notícias para entender como as tecnologias do Facebook podem detectar as emoções dos usuários e o que elas podem fazer com essas informações. A reportagem descobriu 130 invenções da Facebook Inc. com a palavra “emotion” e/ou “feeling” (emoção e sentimento, respectivamente) – uma parcela pequena do total de 3.081 patentes efetivamente registradas desde sua criação, em 2004. O levantamento revelou que 65% (85) das patentes que tratam de emoções foram registradas a partir de 2015, quando a plataforma patenteou a tecnologia da ferramenta “Reactions”, aquelas “carinhas” que demonstram sua reação a um texto – sinal de que desde então o interesse da plataforma por reações emocionais só aumentou.

Das reactions ao reconhecimento facial

Em fevereiro de 2016, o Facebook lançou as reactions com a ajuda de psicólogos e psiquiatras da Universidade Berkeley, nos Estados Unidos, e de Matt Jones, ilustrador da Pixar que fez a animação Divertidamente.

A ferramenta permite que o usuário reaja com cinco diferentes emoções às publicações na rede social. Além do tradicional “curtir”, a plataforma oferece as reações “amei”, “haha”, “uau”, “triste” e “grr”. A intenção era “fornecer ao usuário mais maneiras para ele expressar suas reações às postagens de uma maneira fácil e rápida”, conforme declarou o desenvolvedor de produto Sammy Krug durante o lançamento mundial da ferramenta. “Ao longo do tempo esperamos aprender como as diferentes reações podem ser ranqueadas diferentemente pelo feed de notícias para fazer um melhor trabalho em mostrar para as pessoas as histórias que elas mais querem ver”, completou.

O reconhecimento facial, sensor de teclado e análise de informações linguísticas são alguns exemplos de como a empresa vislumbra fazer isso. “A maioria das patentes cita um uso de todos os sensores do celular”, diz Débora. “Fala-se bastante de reconhecimento facial, fala-se bastante de reconhecimento de voz. Fala-se também de uma análise da forma que você digita e de sensores como giroscópio, que consegue identificar em qual posição o celular está, a rapidez que você tira ele do bolso, a iluminação ao redor.”

Uma das patentes analisadas pela Pública se chama “Técnicas para a detecção de emoção e entrega de conteúdo” e foi registrada em fevereiro de 2014. A ferramenta identifica o sentimento que o usuário expressa a cada publicação que ele vê. Para captar isso, o aplicativo pode usar a câmera do dispositivo e reconhecer a expressão facial do usuário e a interação com o post (curtida, reação, compartilhamento ou comentário). Com a emoção reconhecida, o aplicativo leva em conta a informação para apresentar as próximas publicações. No texto da patente há um exemplo: “se um usuário for identificado como entediado, um conteúdo engraçado poderá ser mostrado a ele”.

Outra patente, chamada “Determinando características de personalidade do usuário a partir de sistemas de comunicação na rede social”, descreve uma tecnologia capaz de identificar informações emocionais do usuário a partir do conteúdo das suas mensagens de texto. Ou seja, a ferramenta lê o que você escreve e interpreta, permitindo que a rede social obtenha informações linguísticas de um aplicativo de mensagens – que pode se aplicar ao Messenger, chat privado do Facebook ou ao “Direct” do Instagram – e as registre junto ao perfil do usuário com classificações como extroversão, sociabilidade, conscientização e estabilidade emocional. “Usando características de personalidade ao selecionar conteúdos, a rede social aumenta a probabilidade de que o usuário interaja favoravelmente com o conteúdo”, diz a descrição da patente.

Se você costuma enviar mensagens a seus amigos se lamentando de estresse, cansaço ou frustrações, ao usar essa tecnologia a plataforma poderá interpretar que você está emocionalmente instável e moldar os conteúdos que combinem com esse estado emocional.

Outra tecnologia registrada pelo Facebook também detecta emoções nas mensagens de texto, através do teclado do dispositivo. A patente “Melhorando mensagens de texto com informação emocional” permite que a plataforma identifique o ritmo, a pressão e a precisão da digitação do usuário e associe isso a uma característica emocional. Então, a ferramenta pode apresentar a mensagem escrita de maneira a combinar com o que você está sentindo. Se você está digitando rapidamente, a plataforma poderia, por exemplo, alterar a fonte e deixar os caracteres mais aproximados, transmitindo a mensagem visual de pressa.

A política de dados do Facebook especifica algumas das ferramentas utilizadas para a coleta de informações dos usuários, incluindo “informações de e sobre os computadores, telefones, TVs conectadas e outros dispositivos conectados à web que você usa e que se integram a nossos Produtos”, além de “acesso à sua localização GPS, câmera ou fotos”. Tecnologias como reconhecimento facial, coleta de metadados de publicações, monitoramento de acesso da plataforma também são citadas.

O usuário pode decidir não permitir isso, entretanto. Mas, segundo Débora, “inibir o uso dessas ferramentas deixa a sua experiência nessas plataformas cada vez mais restritas”, e isso funciona como um incentivo à permissão mais ampla. Ela cita o exemplo da câmera: se você restringir o acesso do Facebook à câmera do seu celular, não será mais possível tirar fotos e vídeos e publicar na plataforma.

Por sua vez, a empresa apresenta essa informação com a justificativa de “melhorar a experiência do usuário”, “Pesquisar e inovar para o bem social” e “Promover segurança e integridade”, nos seus Termos de Serviço.

Outra tecnologia registrada pelo Facebook também detecta emoções nas mensagens de texto, através do teclado do dispositivo. A patente “Melhorando mensagens de texto com informação emocional” permite que a plataforma identifique o ritmo, a pressão e a precisão da digitação do usuário e associe isso a uma característica emocional. Então, a ferramenta pode apresentar a mensagem escrita de maneira a combinar com o que você está sentindo. Se você está digitando rapidamente, a plataforma poderia, por exemplo, alterar a fonte e deixar os caracteres mais aproximados, transmitindo a mensagem visual de pressa.

A política de dados do Facebook especifica algumas das ferramentas utilizadas para a coleta de informações dos usuários, incluindo “informações de e sobre os computadores, telefones, TVs conectadas e outros dispositivos conectados à web que você usa e que se integram a nossos Produtos”, além de “acesso à sua localização GPS, câmera ou fotos”. Tecnologias como reconhecimento facial, coleta de metadados de publicações, monitoramento de acesso da plataforma também são citadas.

O usuário pode decidir não permitir isso, entretanto. Mas, segundo Débora, “inibir o uso dessas ferramentas deixa a sua experiência nessas plataformas cada vez mais restritas”, e isso funciona como um incentivo à permissão mais ampla. Ela cita o exemplo da câmera: se você restringir o acesso do Facebook à câmera do seu celular, não será mais possível tirar fotos e vídeos e publicar na plataforma.

Por sua vez, a empresa apresenta essa informação com a justificativa de “melhorar a experiência do usuário”, “Pesquisar e inovar para o bem social” e “Promover segurança e integridade”, nos seus Termos de Serviço.

Sorria. Você está sendo “modulado”

Diferente da manipulação, a modulação ocorre de maneira sutil e personalizada através de algoritmos que coletam dados dos usuários. “Você não precisa enganar a pessoa, você não precisa dar informações falsas ou dar a entender uma coisa sendo que a verdade é outra. Você na verdade está direcionando ela, orientando ela em uma certa direção, ao mesmo tempo que dá a sensação de que ela está caminhando livremente para onde ela quiser”, explica a pesquisadora Débora Machado, que analisou 39 patentes de ferramentas que modulam o comportamento.

Um exemplo de patente que pode ser considerada útil para a modulação de comportamento se chama “Filtrando comunicações relacionadas a emoções indesejadas em redes sociais”. A invenção associa emoções a diversas interações dos usuários na plataforma – comentários, mensagens, publicações, curtidas etc. Aquelas interações que forem associadas a emoções consideradas “desejadas” serão reforçadas, e as que forem consideradas “indesejadas” serão preteridas. Como exemplos de emoções indesejadas, a patente cita luto, culpa, raiva, vergonha e medo.

Para incentivar o seu bom humor, a rede social pode exibir no feed de notícias publicações às quais você reagiu positivamente no passado. A patente cita como exemplo a lembrança de ações anteriores do usuário. Isso já acontece quando o Facebook sugere posts que comemoram um aniversário ou relembram uma publicação antiga – mas não há indícios de que isso é associado ao seu estado de humor.

A consequência dessa patente, explica a pesquisadora, é que o Facebook pode, através do feed de notícias, privilegiar uma amizade em detrimento de outra ou dar preferência a certos tipos de publicações para determinados sentimentos. E isso não necessariamente corresponde aos interesses do usuário. “Eu identifico que a plataforma está mais interessada em deixar o usuário mais interativo, ou fazer ele executar uma ação específica. Eu não acho que a plataforma está muito preocupada se o que leva ele a comprar um produto, por exemplo, é ele estar triste ou estar feliz”, constata Débora.

Emoção é dinheiro

Saber quais são as emoções dos usuários é útil para anunciantes. Os anúncios são a principal fonte de renda do Facebook, representando US$ 14,91 bilhões no primeiro semestre de 2019 – 98,8% da receita. Das 130 patentes com a palavra “emoção” registradas pela plataforma, 109 (84%) contêm também a palavra “propaganda” (advertise) em suas descrições.

“As características de personalidade inferidas são armazenadas junto aos perfis do usuário e podem ser usadas para mirar, ranquear e selecionar versões de produtos [para oferecer ao usuário] e muitas outras funções”, define uma dessas patentes.

Outras são mais explícitas. A patente “Sinais negativos para segmentação de anúncios” descreve uma ferramenta que registra interações negativas de usuários com certos conteúdos, por exemplo, a expressão de emoções tristes ou bravas, comentários ruins, reação de ira, e cria uma lista de itens com os quais o usuário não se relaciona bem – uma “lista negra”, ou blacklist, no linguajar da patente – e que não devem ser mostrados ao usuário.

Procurada, a empresa afirmou que não comenta a cobertura específica de suas patentes ou razões para registrá-las. “O Facebook usa uma estratégia de patentes que não cobre apenas tecnologia usada nos produtos e serviços do Facebook, mas inclui também diferentes tipos de tecnologia. Por essas e outras razões, as patentes nunca devem ser entendidas como uma indicação de planos futuros.”

Além disso, reforçaram que não oferecem aos anunciantes a opção de direcionar anúncios com base na emoção das pessoas.

O publicitário e vice-presidente executivo da agência WMcCann, Márcio Borges, autor de dissertação sobre reações e engajamento em posts publicitários no Facebook, confirma que a segmentação por emoções não é disponível ao anunciante. “Hoje você não compra isso, mas o Facebook pode usar essas informações como forma de maximizar os resultados.” Atualmente, os anunciantes recebem a segmentação de público com base em comportamentos e interesses identificados pela rede social. “No fundo, essa informação vem pautada pelas reações, mas nós não compramos a segmentação por emoção.”

A análise das patentes pela reportagem vai na contramão do discurso pela saúde mental promovido pelo Facebook e da promessa de Mark Zuckerberg de estar trabalhando para que os usuários passem menos tempo na rede. As patentes relacionadas a emoções registradas pela marca indicam interesse de prender o usuário o máximo de tempo possível na rede. “Eu entendo que a partir do momento que você cria uma tecnologia que faz de tudo para o usuário ficar ativo e interagindo dentro dela, isso significa que você quer que essa pessoa esteja lá interagindo a maior quantidade de tempo possível”, afirma Débora.

Os próprios botões “curtir” do Facebook e “amei” do Instagram funcionam de maneira a prender o usuário à plataforma. Quando você posta um conteúdo e recebe uma curtida, o sistema nervoso é estimulado com a produção de dopamina, assim como quando você usa uma droga.

Algumas patentes de emoção analisadas pela Pública falam claramente em tecnologias capazes de garantir a permanência do usuário na rede social. É o caso da invenção “Apresentando conteúdos adicionais para um usuário de redes sociais baseado em uma indicação de tédio”, registrada em janeiro de 2015. A ferramenta permite que uma rede social identifique níveis de tédio – como recarregamento do feed de notícias e baixa interação com publicações – e iniba essa sensação. “A rede social apresenta conteúdos alternativos através do feed de notícias ao usuário com indicativo de tédio para encorajá-lo a interagir com os conteúdos”, explica o texto da patente.

De maneira parecida, a ferramenta “Reactions” também pode funcionar de maneira a incentivar a permanência do usuário na plataforma, segundo o publicitário Márcio Borges. “Quando você olha as reações, são quatro positivas ou neutras e duas negativas. É como se fosse padronizada matematicamente uma rede predominantemente positiva, porque você tem mais maneiras de expressar positividade do que manifestar negatividade. A própria maneira com a qual os botões estão dispostos, a ordem que eles vêm, também vêm do campo da positividade para a negatividade. As primeiras opções são positivas e as últimas negativas”, diz.

Para a pesquisadora Débora Machado, o escândalo da Cambridge Analytica só empurrou o Facebook a buscar mais maneiras de estudar o comportamento. “A partir do momento em que as pessoas se preocupam mais com o que elas divulgam sobre sua própria vida, a rede também tem que encontrar outras formas de coletar informações diversas sobre o que você está sentindo ou pensando, para poder identificar qual a melhor hora de te direcionar algum conteúdo ou te levar a realizar alguma ação específica que seja vantajosa para o modelo de negócio da plataforma ou para o objetivo final do anunciante”, afirma.

Questionado pela Pública sobre a permanência dos usuários, o Facebook respondeu que trabalha para que eles “tenham conexões significativas” dentro da plataforma e que desenvolve ferramentas para que eles tenham controle sobre a quantidade de tempo que passam nela. “Queremos que o tempo gasto no Facebook seja positivo para as pessoas. No último trimestre de 2018, por exemplo, fizemos alterações para mostrar menos vídeos virais. No total, as alterações que fizemos em 2018 reduziram o tempo gasto no Facebook em cerca de 50 milhões de horas todos os dias”, afirmou a empresa em nota.




domingo, 2 de junho de 2019

Liberalismo e Nazifascismo possuem mais afinidades do que você imagina

Oposição entre Liberalismo e Nazifascismo é mito: liberais e neoliberais legitimaram o nazifascismo, já os nazifascistas aplicaram políticas de inspiração liberal em suas ditaduras.

Por Luan Toja

liberais e fascistas


Em tempos nos quais o cinismo impera ao ponto de qualquer procedimento de inversão da realidade ser utilizado para justificar ações convenientes, vem sendo bastante difundida uma máxima cuja acepção crava que “o maior inimigo do fascismo é o liberalismo”. No entanto, é uma pena para os desonestos intelectuais de plantão, que há sempre a possibilidade dos fatos serem trazidos à tona para desmistificarem tais falácias.

Um liberal na gênese do Fascismo

Comecemos pela história de Vilfredo Pareto, economista liberal e sociólogo italiano de origem francesa. Nascido em Paris, em meados do século XIX, Pareto foi inimigo mortal de todo e qualquer protótipo de socialismo, contrário a qualquer forma de intervencionismo no mercado e defensor da dominação das elites, além de ter sido um dos teóricos que produziram a ideologia precursora do fascismo. É possível que sua convicção na superioridade de uma classe de elite tenha contribuído para a elevação do Fascismo na Itália.

Vilfredo Pareto, economista liberal e um dos ideólogos do movimento fascista.

Pareto argumentou que a democracia era uma ilusão (da mesma forma que ultraliberais e neoliberais dizem hoje) e que uma classe dominante sempre irá subsistir enriquecendo-se cada vez mais, ou seja, como todo liberal, acreditava que as desigualdades sociais faziam parte de uma ordem natural. Para ele, a questão-chave era como ativamente agiam os governantes. Por esta razão, ele reivindicou uma redução drástica do Estado e conceituou o regime de Benito Mussolini como uma transição para esse Estado mínimo, de modo a libertar as forças econômicas

Nos primeiros anos de seu governo, Mussolini literalmente executou a política prescrita por Pareto, destruindo a liberdade política. Mas, ao mesmo tempo, substituindo a gestão estatal pela gestão privada, diminuindo os impostos sobre a propriedade, favorecendo o desenvolvimento industrial e impondo uma educação religiosa nos dogmas. (BORKENAU, Franz. Pareto. Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1936. p. 18.)

É verdade que Pareto considerou o triunfo de Mussolini como uma confirmação de algumas das suas ideias, especialmente pelo fato do líder da Itália Fascista demonstrar a importância da força e compartilhar seu desprezo por um sistema igualitário. Posteriormente, ele aceitou uma nomeação “real” para o senado italiano de Mussolini e morreu menos de um ano após a instauração do novo regime. Contudo, a importância dele para o fascismo foi equivalente a de Karl Marx para o socialismo científico.

O Liberalismo como agenda das políticas econômicas de Mussolini

Não obstante, no período de 1922 a 1925, Mussolini e seu governo totalitário deram continuidade à política econômica do laissez-faire, por meio da coordenação de um ministro de finanças liberal, Alberto De Stefani. Sua administração reduziu impostos, regulamentações, restrições comerciais e procurou promover uma maior competitividade entre as empresas.

Depois da nomeação de Mussolini como primeiro-ministro, os industriais sentiram-se ainda mais recompensados com a designação de Alberto De Stefani, um intransigente liberal, como ministro das Finanças — para alegria de Luigi Einaudi (membro do Partido Liberal Italiano). De Stefani reduziu impostos, aboliu isenções fiscais que beneficiavam contribuintes de baixa renda, facilitou as transações com ações e a evasão fiscal reintroduzindo o anonimato (abolido por Giolitti), eliminou a regulamentação dos aluguéis, privatizou os seguros de vida (introduzidos por Giolitti) e transferiu a gestão do sistema de telefonia para o setor privado.(SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo. Rio de Janeiro: Agir, 2009. p. 120)

Ademais, a ascensão do Fascismo (tal como a do nazismo de Adolf Hitler na Alemanha) só foi possível com a colaboração e o suporte financeiro de grandes corporações ainda hoje poderosas: BMW, Fiat, IG Farben (Bayer), Volkswagen, Siemens, IBM, Chase Bank, Allianz, entre outros grupos de mídia, que financiaram esses regimes com o objetivo de frear o avanço do socialismo soviético na Europa.

Os industriais ainda não confiavam em Mussolini, pois sabiam que fora socialista e ainda usava uma retórica socialista. Mussolini deu-se conta disto, tratando, em 1921, de adaptar sua linguagem para o liberalismo econômico e abandonar os princípios de intervencionismo estatal até então apregoados por ele. Em 1922, para todos os efeitos, aderira plenamente ao liberalismo econômico, sendo elogiado por um intransigente liberal em matéria econômica como Luigi Einaudi, que no dia 7 de junho de 1922 acusou o prefeito de Bolonha de bolchevismo por tentar conter a violência fascista.

(…)

Antes de 1922, os industriais ignoravam o fascismo ou se mostravam indiferentes. Ao longo de 1922, mantiveram-se basicamente calados sobre o advento do fascismo. Era quase como se tivessem medo de tomar partido ou não conseguissem reunir coragem para apoiar abertamente o fascismo. À medida que os fascistas se fortaleciam, os industriais passaram a simpatizar com eles, como tantos outros que até recentemente defendiam a importância da democracia. No momento em que Mussolini foi designado primeiro-ministro, a maioria dos capitalistas passou a apoiá-lo praticamente sem reservas. No dia 29 de outubro de 1922, a Confindustria [p. 119] aprovou de maneira entusiasmada o novo governo (antes mesmo que Mussolini aceitasse formalmente a nomeação).

(…)

Isso não quer dizer que os industriais (ou, antes, sua associação, a Confindustria) tivessem se tornado pró-fascistas. Se dependesse de sua preferência, o novo governo seria chefiado por um liberal. Quer dizer apenas que eles também estavam convencidos da generalizada convicção de que não só não deviam ser tomadas iniciativas contra os fascistas, como era necessário entrar em acordo com eles, pois haviam se tornado a principal força anti-socialista do país.

(SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo. Rio de Janeiro: Agir, 2009. pp. 115, 116, 118 e 119)

No dia 20 de setembro de 1922, em discurso pronunciado na cidade de Udine, Mussolini uma vez declarou:

O ditador Benito Mussolini (Predappio, 29/07/1883 – Mezzegra, 28/04/1945

Queremos retirar do Estado todos os seus poderes econômicos. Basta de ferroviários estatais, carteiros estatais, seguradores estatais. Basta deste Estado mantido à custa dos contribuintes e pondo em risco as exauridas finanças do Estado italiano.

No filme Fascismo Inc., o cineasta Chatzistefanou esmiúça a também estreita colaboração de industriais e banqueiros com os nazistas para perseguir e destruir o sindicalismo e os socialistas, a quem chamavam de “terroristas”. Detalhe: Hitler extinguiu o Partido Comunista alemão um dia depois de tomar posse.

Teóricos neoliberais justificaram e legitimaram o Nazifascismo

Da esquerda para a direita: Engelbert Dollfuss, Benito Mussolini e Gyula Gömbös. Líderes fascistas tiveram apoio de liberais neoclássicos também, como Ludwig von Mises.

O apoio ao fascismo não se limitava aos liberais do início do século XX. Os liberais neoclássicos que deram origem à corrente ideológica que se tornou hegemônica hoje, o neoliberalismo, também defendiam o fascismo e sua variante nazista como projetos políticos necessários para manter a ordem capitalista.

É o que podemos conferir nesta declaração de Friedrich Hayek, membro da Escola Austríaca, sobre a sua impressão do nazismo:

O economista Friedrich Hayek, Viena, 8/05/1899 — Friburgo em Brisgóvia, 23/03/1992.

É importante recordar que, muito antes de 1933, a Alemanha alcançara um estágio em que não lhe restava senão ser governada de forma ditatorial. Ninguém duvidava então de que a democracia entrara em colapso, ao menos por certo tempo, e de que democratas sinceros como Brüning eram tão incapazes de governar democraticamente como o eram Schleicher ou von Papen. Hitler não precisou destruir a democracia; limitou-se a tirar proveito da sua decadência e no momento crítico conseguiu o apoio de muitos que, embora o detestassem, consideravam-no o único homem bastante forte para pôr as coisas em marcha.

(HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. 5. ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1990. p. 90)


A complacência de teóricos liberais neoclássicos com relação ao Fascismo prossegue com Ludwig von Mises. Outro ícone da Escola Austríaca, Mises atuou como conselheiro econômico do governo fascista de Engelbert Dollfuss na Áustria. Em seu livro “Liberalismo — Segundo a tradição clássica”, ele reitera que o Fascismo foi um movimento político que teve como um de seus principais objetivos o combate ao bolchevismo.

O téorico liberal neoclássico Ludwig von Mises (Lviv, 29/09/1881 — Nova Iorque, 10/10/1973).

As ações dos fascistas e de outros partidos que lhe correspondiam eram reações emocionais, evocadas pela indignação com as ações perpetradas pelos bolcheviques e comunistas. Ao passar o primeiro acesso de ódio, a política por eles adotada toma um curso mais moderado e, provavelmente, será ainda mais moderado com o passar do tempo.

(…)

Tal moderação resulta do fato de que os pontos de vista tradicionais do liberalismo continuam a exercer influência inconsciente sobre os fascistas.

(…)

Ora, não se pode negar que o único modo pelo qual alguém possa oferecer resistência efetiva contra assaltos violentos seja por meio da violência. Contra as armas dos bolcheviques, devem-se utilizar, em represália, as mesmas armas, e seria um erro mostrar fraqueza ante os assassinos. Jamais um liberal colocou isto em questão.

(VON MISES, Ludwig. Liberalismo – Segundo a Tradição Clássica / Ludwig von Mises. — São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. pp. 75 e 76)

Nesta obra, Mises também não hesitou em legitimar, elogiar e, até mesmo, enaltecer o Fascismo:

Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história. Porém, embora sua política tenha propiciado salvação momentânea, não é do tipo que possa prometer sucesso continuado. O fascismo constitui um expediente de emergência.

A origem totalitária do Neoliberalismo

Pinochet (à direita) e Friedman (de terno escuro).

O conluio entre liberais e fascistas no combate ao socialismo não para por aí. Antes do general de extrema-direita Augusto Pinochet liderar o golpe militar chileno que destituiu, violentamente do poder, o presidente socialista Salvador Allende — com aprovação da burguesia e apoio financeiro dos Estados Unidos —, surgiu em alguns setores ligados à política externa dos EUA e da Grã-Bretanha um movimento cuja intenção era encaixar os governos desenvolvimentistas do Terceiro Mundo na lógica binária da Guerra Fria.

Para os falcões que enxergavam o mundo apenas de forma bipolar, o nacionalismo seria o primeiro passo rumo ao totalitarismo comunista. Portanto, erradicar o desenvolvimentismo no Cone Sul, que era onde ele havia fincado raízes mais profundamente, tornara-se uma meta. Agências como a Administração para a Cooperação Internacional dos Estados Unidos (mais tarde USAID) estavam engajadas em combater o desenvolvimentismo e o marxismo no plano intelectual, bem como suas influências sobre a economia latino-americana.

No que tange ao Chile, o plano consistia em o Imperialismo Ianque financiar estudantes chilenos para aprender economia na mais reconhecidamente anti-comunista escola do mundo — a Universidade de Chicago — de forma a combater ideologicamente as ideias de economistas “vermelhos” latino-americanos, tais como Raúl Prebisch.

Naquela universidade, predominava o pensamento do economista Milton Friedman, um dos expoentes da Escola Monetarista e ferrenho defensor da liberdade irrestrita de mercado e do laissez-faire. Os Chicago Boys se tornaram verdadeiros embaixadores de ideias econômicas que na América Latina ficaram conhecidas como “neoliberalismo”. Muitos deles aderiram ao movimento fascista chileno Pátria e Liberdade.

Às vésperas do golpe, elaboraram um programa econômico que nortearia as ações da junta militar. Tal programa, um calhamaço de quinhentas páginas, ficou conhecido como “O Tijolo”. Dos dez autores de “O Tijolo”, oito eram Chicago Boys. O teor desse documento era muito similar ao livro de Friedman “Capitalismo e Liberdade” e propunha, dentre outras coisas, privatizações, desregulamentação e cortes nos gastos sociais, a clássica tríade do livre mercado.

Em princípio, as ideias dos Chicago Boys não encontraram campo fértil no Chile — mesmo com massivo apoio dos EUA —, como atestou a vitória da coalizão Unidade Popular, de Allende, nas eleições de 1970. Só depois do golpe de Estado foi possível pôr em prática suas ideias. Orlando Letelier certa vez afirmou que “os ‘Garotos de Chicago’, como são conhecidos no Chile, convenceram os generais de que estavam preparados para suprir a brutalidade dos militares com os ativos intelectuais que possuíam”.

De fato, no 11 de setembro de 1973, a caserna deu as mãos à austeridade econômica para dar origem a uma das mais violentas ditaduras da história, que também contou com a assessoria e apoio aberto de Friedrich Hayek, cujo maior exemplo de sua aprovação ao governo de Pinochet pode ser extraído da vergonhosa entrevista que concedeu ao jornal chileno EL Mercúrio em abril de 1981. Depois de apoiar o nefasto regime totalitário, justifica:

“Uma sociedade livre requer certas morais que em última instância se reduzem à manutenção das vidas; não à manutenção de todas as vidas, porque poderia ser necessário sacrificar vidas individuais para preservar um número maior de vidas. Portanto, as únicas normas morais são as que levam ao ‘cálculo de vidas’: a propriedade e o contrato”.

Naquele momento, em que o Hayek dava tranquilamente sua entrevista, muitas vidas estavam sendo sacrificadas nos porões da ditadura fascista do general Pinochet.

Assim, ao contrário do que muitos pensam, a primeira experiência neoliberal não se deu na Inglaterra de Thatcher ou nos Estados Unidos de Reagan. Nasceu, isso sim, gêmea de um sangrento regime militar. Em 1977, de quebra, Pinochet ainda entregou o Ministério das Finanças ao Chicago Boy Sérgio de Castro.

Considerações finais


A essa altura do texto já fica fácil compreender por quê:

- O primeiro bloco de privatizações aconteceu na primeira nação fascista que o mundo conheceu, a Itália, nos anos 1920 (a publicação inglesa The Economist cunhou o termo “privatização” para denominar a política econômica fascista);

- O segundo bloco de privatizações em massa (que inclusive superou a italiana fascista) ocorreu na segunda, a Alemanha nazista, nos anos 1930;

- e após nascerem em berço fascista durante os anos que antecederam a 2ª Guerra Mundial, as privatizações voltaram a aparecer nos anos 1970, no governo fascista do ditador chileno Augusto Pinochet.

Não pretendemos aqui, entretanto, colocar um sinal de igualdade entre Liberalismo e Fascismo. Porém, de fato, o liberalismo não se constituiu em um entrave ao fascismo nascente. Pelo contrário, ele, inclusive, forneceu as justificativas ideológicas para sua expansão europeia — e mais tarde sul-americana.

A História comprova-nos que Fascismo e Liberalismo podem atuar em consonância. Ora, se eles não são iguais, tampouco existe entre eles uma muralha intransponível. Isso se explica, fundamentalmente, nas alianças feitas entre essas ideologias sempre quando lhes foi conveniente, sobretudo — como é, inclusive, admitido por teóricos liberais — no propósito do combate a seus maiores inimigos comuns: os sociais-democratas, socialistas, comunistas, bolcheviques, marxistas… Isto é, todos aqueles que tinham uma visão crítica do capitalismo, seja propondo sua superação por meios revolucionários ou mesmo propondo políticas reformistas.

Fontes

• Encyclopaedia Britannica – Bio de Vilfredo Pareto

• PARESCHI, Lorenzo; TOSCANI, Giuseppe – Interacting Multiagent Systems: Kinetic Equations and Monte Carlo Methods

• EATWELL, Roger; WRIGHT, Antony – Contemporary Political Ideologies. London: Continuum. (páginas 38–39).

• AMOROSO, Luigi (janeiro de 1938). “Vilfredo Pareto”. Econometrica.

• UFSC – AUTORITARISMO E CHOQUE (PDF)

• Jacobin – Capitalism and Nazism



• BARBIERI, Giovanni. Pareto e il fascismo.

• BORKENAU, Franz. Pareto. Nova Iorque: John Wiley & Sons, 1936.

• SASSOON, Donald. Mussolini e a ascensão do Fascismo. Rio de Janeiro: Agir, 2009.


Fonte: Voyager